domingo, 8 de setembro de 2013

O QUE DIRIA O DOUTOR ROBERTO?



Passado meio século, as Organizações Globo vêm a público para fazer o seu ‘mea-culpa’. Em editorial publicado no dia 1º de setembro no jornal O Globo, a família Marinho admite, sem meias palavras, que “à luz da história, o apoio [à ditadura militar] se constituiu um equívoco”. No título da matéria, em letras garrafais, lê-se que o “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”. Os mais atentos hão de recordar que durante décadas o jornal jamais usou a expressão golpe e sim “revolução”. Ainda segundo a matéria, trata-se de uma “decisão madura, cuja consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos”. O texto é um arrazoado de frágeis justificativas de alguém comprometido até medula com um dos períodos mais negros da história desse País. Como ensina os versos do poeta amazonense Thiago de Mello em seu livro “Mormaço na Floresta”, “para quem não viveu, convém contar. A quem já se esqueceu, convém lembrar”.


Sob a batuta do patriarca Roberto Marinho – doutor Roberto, como era conhecido – as Organizações Globo não só apoiaram o golpe de 64 como acobertaram e deram guarida a todas as infâmias praticadas pelos gendarmes de plantão. Eram tempos de terror, medo e insegurança; de prisões arbitrárias, torturas e mortes. Ao sair pela manhã, nenhum cidadão tinha a certeza de retornar para casa ao fim do dia. Os exemplos são incontáveis. Os delatores andavam as espreitas na caça de comunistas ou de qualquer um que não comungasse de suas ideias. O poder era exercido pelo arbítrio, pela prepotência, e a lei do mais forte é que prevalecia nos porões dos quartéis e delegacias onde se praticavam verdadeiras sessões de carnificina. Ninguém estava a salvo.

A primeira vítima, como acontece nos regimes opressivos, é a verdade. A censura foi imposta goela abaixo e a imprensa totalmente cerceada. Mas alguns tinham que fazer o jogo sujo da farsa, da mentira. A dor dos mutilados, das famílias órfãs e dos filhos desaparecidos era sufocada pela propaganda oficial que ensinava o País cantar marchinhas do tipo “Eu te amo meu Brasil”. As manchetes de jornais, editoriais e telejornais de televisão mostravam a ilusão de um Brasil capaz de realizar verdadeiros milagres econômicos. Só que tudo isso tinha um preço.

Mas convenhamos ninguém foi mais eficaz nessa arte que o Doutor Roberto. Enquanto transitava de braços dados com os donatários do poder e seus acólitos, cobrou caro pelo serviço. Seu conglomerado midiático não só abocanhou – e continua a fazer ainda hoje – as maiores fatias da propaganda oficial, como usufruiu de benesses que só os amigos do poder são capazes de angariar. Dinheiro, poder e o monopólio quase absoluto a ponto de anestesiar a consciência política de boa parte dos patrícios.

Finda a ditadura – ou a “ditabranda” como preferem alguns de seus colegas paulistanos - o velho capo ainda encontrou espaço para se impor. O primeiro presidente pós-regime militar, José Sarney, só nomeou o economista Mailson da Nóbrega para o ministério da Fazenda após ser sabatinado pelo dono da Vênus Platinada. Em 1989, comandou pessoalmente a edição de um debate na televisão para favorecer Collor de Mello e não permitir a vitória de Lula. Em tempos recentes, nunca escondeu sua predileção pelo ninho tucano. Aliás, herança esta que após sua morte, em 2003, se mantém incrustada nos corredores e redações do Sistema.  

As tragédias humanas não permanecem camufladas para sempre. A história, cedo ou tarde, traz a verdade à tona. Os vilões, por mais que insistam, são incapazes de apagar as marcas de seus deletérios. Amiúde, provocam a ira dos que caminharam lado a lado e depois se sentem apunhalados. O Clube Militar, em resposta ao editorial da família Marinho, divulgou uma nota oficial onde afirma que “declarar agora que se tratou de um ‘equivoco da redação’ é mentira deslavada. Trata-se de revisionismo, adesismo e covardia”.

O rei, mesmo morto, finalmente está nu.

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