House of Cunha
Como o deputado Eduardo Cunha acumulou força política para esfacelar a base de apoio de Dilma e impor derrotas em sequência ao Planalto no congresso
ISTOÉ
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) e Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
Como o deputado Eduardo Cunha acumulou força política para esfacelar a base de apoio de Dilma e impor derrotas em sequência ao Planalto no congresso
ISTOÉ
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) e Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
Francis J. Underwood, o protagonista da série “House of Cards”
interpretado pelo ator Kevin Spacey, é um ambicioso senador que,
sentindo-se traído pelo presidente dos EUA, inicia um ardiloso plano de
vingança. O jogo bruto de Underwood, que se tornou o símbolo máximo de
político inescrupuloso, parece ter se materializado em Brasília nas
últimas semanas. Na versão nacional, o papel de vilão vem sendo
desempenhado, sem o charme do ator Kevin Spacey, pelo líder do PMDB na
Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Desde o início do ano, Cunha cumpre uma
rotina parlamentar dedicada unicamente a esgarçar a aliança com o PT,
engessar o governo de Dilma Rousseff e, quem sabe, inviabilizar sua
reeleição. “Se ela não sabe o que é respeito, vai aprender da pior
maneira”, repete Cunha a qualquer interlocutor que o aborda nos
corredores do Congresso Nacional. Se a série americana virou mania entre
líderes políticos, como Barack Obama e Fernando Henrique, a novela de
Cunha promete manter em alta a audiência do noticiário
político-eleitoral. Para suspender seu roteiro, Cunha cobra uma fatura
alta: mais cargos, com mais poder e mais verbas.
Usando uma escala de valores nada republicanos, parecida com a de
Underwood, o deputado carioca vem colecionando sucessos. Na última
semana, depois de não ser atendido em mais um pedido por postos na
máquina pública – o que foi encarado por Dilma e seus auxiliares como
crua chantagem –, Cunha articulou um levante no Congresso. Emparedou a
presidenta e jogou o governo petista numa crise política sem
precedentes. Além de comandar os rebeldes da bancada do PMDB na Câmara,
dona de 75 assentos, conseguiu atrair insurgentes de outras legendas
aliadas do PT, que também acumulam queixas contra o estilo Dilma de
governar. Cunha impôs sucessivas derrotas ao Planalto. Na principal
delas, por 267 votos a 28, o chamado “blocão”, que reúne as siglas
rebeldes, conseguiu instalar na Comissão de Fiscalização e Controle da
Câmara uma investigação sobre denúncias na Petrobras. Como não tem
status de CPI, a apuração não irá muito longe, mas pode momentaneamente
se refletir sobre o valor das ações da estatal, o que é ruim para o
País.
Outro revés forçado pela turna de Cunha tem um potencial maior para
gerar dores de cabeça a Dilma. Nas comissões da Casa, os peemedebistas,
com o apoio da oposição e aliados queixosos, conseguiram aprovar a
convocação de quatro ministros e o convite a mais seis, a fim de prestar
esclarecimentos sobre questões que, na melhor das hipóteses, podem
constranger o governo. Entre eles a presidenta da Petrobras, Graça
Foster, e o delegado Romeu Tuma Jr., que acusa o PT de implantar no País
um estado policialesco. Foram convocados os ministros Gilberto Carvalho
(Secretaria-Geral da Presidência), Aguinaldo Ribeiro (Cidades), Jorge
Hage (CGU) e Manoel Dias (Trabalho), este denunciado por ISTOÉ por
suspeita de envolvimento em esquema de cobrança de propinas por cartas
sindicais e desvio de verba por meio de ONGs. Na sexta-feira 14,
meditando sobre as feridas institucionais, um cacique petista definiu
assim o atual cenário político: “Este é o pior momento dos três mandatos
do PT.”
A metodologia de Cunha
Eduardo Cunha já demonstrou inúmeras vezes sua capacidade de
articulação, ao apadrinhar indicações de ministros, dirigentes de
estatais e funcionários do segundo ao quarto escalão. Quando é
contrariado, tenta dar o troco lançando mão do que há de pior nas
práticas políticas: a ameaça e a chantagem. No governo Lula, cansou de
utilizar esse expediente. Mas, normalmente, era driblado por uma
articulação política eficaz. Desta vez, Cunha se aproveitou da
fragilidade dos operadores políticos do governo para obter sucesso em
sua empreitada.
O líder do PMDB não se move por instinto. Metódico, ele cultiva há anos o
mesmo modo de operar. Diariamente, recebe líderes empresariais e
autoridades no apartamento da SQS 311 ou no número 50 da avenida Nilo
Peçanha, no Rio, onde funciona seu escritório político. Chega a gastar
R$ 15 mil da conta parlamentar só em telefonia. Os pedidos que atende
são ecléticos: vão desde os de empreiteiras e empresas de telefonia até
os de companhias prestadoras de serviço no setor elétrico. Dependendo da
negociação, e do desejo do freguês, Cunha providencia a anulação de
normas, inclui nas Medidas Provisórias as emendas-submarino (como são
chamados no Congresso os adendos oportunistas que nem sequer precisam
tratar do mesmo assunto da MP) e agiliza a aprovação de leis. É o
trabalho de uma espécie de despachante com mandato parlamentar. Em troca
desses favores, Cunha obtém apoio financeiro para suas campanhas e
também as de quem o apoia no Rio de Janeiro, seja do PMDB, seja de
legendas aliadas. Assim, cria uma bancada própria. Na política carioca
Cunha controla o PSC, partido que, durante a semana, anunciou
oficialmente o desembarque da aliança governista, e outras legendas
nanicas. Em Brasília, seu poder amplia-se como nunca.
Efeito dominó
Quando perdeu os cargos que controlava na diretoria internacional da
Petrobras e em Furnas, no primeiro ano do governo Dilma, Cunha lançou
ameaças públicas que não se concretizaram. Ele mesmo avaliou que as
baixas dos apadrinhados poderiam ser recompensadas mais adiante, uma vez
que vários setores do PMDB perderam indicações na primeira dança das
cadeiras. Mas, para sua irritação, isso acabou não acontecendo. Com o
aval do ex-presidente Lula e de Rui Falcão, presidente do PT, Dilma
bloqueou dinheiro de emendas e impediu a aprovação de dispositivos
legislativos que atendessem aos interesses do deputado carioca. No
embalo, os articuladores políticos do governo, tendo o chefe da Casa
Civil, Aloizio Mercadante, à frente, também deixaram de atender a muitos
pleitos de outros aliados, evitando reuniões e audiências solicitadas
reiteradamente pelas legendas da base. Dessa forma, criou-se uma legião
de insatisfeitos. “Por várias vezes a ministra Ideli Salvatti (de
Relações Institucionais) reunia os líderes para dizer que não haveria
acordo. Ora, então para que convocá-los?!”, lembra um deputado do PMDB.
Depois da confusão armada na semana passada, Rui Falcão comentava com
interlocutores que ia propor à presidenta a troca de toda a articulação
política do governo. A ideia é buscar uma saída honrosa para Ideli, que
poderá se lançar candidata a deputada federal. Também para tentar jogar
água na fervura da crise, na quinta-feira 13 a presidenta Dilma
antecipou o anúncio de seis ministros. Após conversar com o
vice-presidente Michel Temer, indicou Vinícius Nobre Lages, ligado ao
senador Renan Calheiros, para o Ministério do Turismo; Gilberto Occhi,
do PP, para as Cidades; o petista Miguel Rossetto para o Desenvolvimento
Agrário; Neri Geller, da cota do PMDB, para a Agricultura; Clélio Diniz
(PT) para a Ciência e Tecnologia; e Eduardo Lopes, do PRB, para a
Pesca.
As mudanças podem servir de atenuante, mas não é certo que resolverão de
vez os problemas, pois eles ultrapassam as fronteiras do Congresso. Uma
das raízes da querela com o PMDB é a falta de acordo para a montagem
dos palanques regionais. Desde o domingo 9, a presidenta Dilma iniciou
gestões para reverter essa situação. Primeiro reuniu-se com o vice,
Michel Temer, a quem expressou a vontade de chegar a um acordo. Na
segunda-feira 10, recebeu os demais caciques da legenda, o presidente do
Senado, Renan Calheiros (AL), e os líderes no Senado, Eduardo Braga
(AM) e Eunício Oliveira (CE). Também participaram do encontro Temer e o
ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Mais tarde, juntaram-se ao
grupo o presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RR), e o presidente da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Nas conversas, Dilma sinalizou
apoio do PT a candidatos do PMDB em seis Estados: Maranhão, Pará,
Sergipe, Alagoas, Tocantins e Paraíba. Avisou, porém, que o cenário no
Rio de Janeiro é inegociável e que entregaria o sexto ministério à
legenda, caso Eunício Oliveira desistisse de lançar-se candidato ao
governo do Ceará contra os irmãos Cid e Ciro Gomes, fechados com o PT e o
Palácio.
O problema é que as promessas eleitorais não chegaram a entusiasmar o
PMDB. Para piorar, depois da reunião com os líderes, quando tentou
isolar Eduardo Cunha, a presidenta declarou, no Chile, que “o PMDB só
lhe traz alegrias”. A afirmação foi tida como provocativa e ajudou Cunha
a reunir insatisfeitos. “Ela verá quantas alegrias o PMDB ainda lhe
trará”, disse o deputado em tom ameaçador. Não há ânimo para um
rompimento total, mas o clima de tensão não tem prazo para se dissipar.
Ao justificar uma ruptura com o governo, Eduardo Cunha diz que o PMDB
exige respeito.
Relação desgastada
O fato é que o governo tanto resistiu a se curvar aos desejos de aliados
que quando o fez já era tarde. A dificuldade de relacionamento entre
Legislativo e Executivo vinha se evidenciando ao longo dos últimos
meses, mas atingiu seu ponto mais crítico no início deste ano, com o
anúncio de que dos mais de R$ 19 bilhões prometidos para emendas
parlamentares sobrarão pouco mais de R$ 6 bilhões. Os cortes atingem a
alma da política eleitoral, pois as emendas são o cartão de visita de
quem tem mandato. Ao tesourar as emendas, Dilma comprou uma briga com
todos os partidos. Eduardo Cunha soube enxergar esse flanco e passou a
trabalhar nos bastidores para ampliar o coro dos descontentes.
Para piorar, a tentativa do governo de se aproximar do PMDB do Senado,
aquele que não age sob a orientação de Eduardo Cunha, fracassou. Foram
dois os principais motivos. O primeiro é que os senadores, orientados
por Temer, não toparam isolar a bancada da Câmara e ignorar o
descontentamento generalizado dentro do partido. Além disso, os
senadores demonstram insatisfação com o governo desde outubro, quando
Dilma vetou, sem se preocupar com afagos, a indicação do senador Vital
do Rego (PMDB-PB) para comandar o Ministério da Integração Nacional. A
pasta é desejada por senadores do Nordeste pelo forte apelo político e
por concentrar obras grandiosas e eleitoreiras, como o Canal do Sertão e
a distribuição de recursos para obras emergenciais.
Como não conseguiu isolar o PMDB da Câmara, cujo porta-voz do
descontentamento é Eduardo Cunha, o governo se enfraqueceu ainda mais.
Com o aval dos colegas para seguir empatando a vida do governo no
Congresso, Cunha se aproximou de integrantes de outros partidos
dispostos a mandar recados de insatisfação ao Planalto. O blocão
multipartidário que ele criou para reunir e ampliar o coro dos
descontentes mostrou sua força ao longo da semana e, quem diria,
transformou a oposição ao governo em coadjuvante nos ataques à atuação
dos ministros. “Se os próprios aliados estão querendo convocar todo
mundo do governo, nos poupa trabalho. Estamos assistindo a uma implosão e
ao movimento de independência dos parlamentares. Até aliados dizem que
há corrupção em ministérios”, disse o líder do DEM, Mendonça Filho (PE),
ao perceber que todos os requerimentos da oposição recebiam apoio de
partidos da base.
Cientes da existência de um artefato com potencial para explodir às
vésperas das eleições, os oposicionistas comemoraram a convocação de
quatro ministros e o envio de convites a outros seis, que terão de
enfrentar a fúria dos insatisfeitos com o governo em sessões especiais
de diferentes comissões da Casa. Na avaliação de parlamentares do
próprio PT, é hora de promover uma mudança de cultura. “Acho que
precisamos rever os erros e procurar saídas”, teoriza o líder do
governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), desgastado com o Planalto e prestes a
jogar a toalha da liderança do governo Dilma na Câmara. Não se sabe ao
certo como e quando a crise política terá um desfecho. No ano eleitoral,
ainda há cartas a serem baixadas em tempos de House of Cunha.
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