ABOMINÁVEL SILÊNCIO SOBRE O CASO JOSÉ DIRCEU
Em novo artigo, o jornalista Breno Altman protesta contra a
passividade da sociedade brasileira antes os abusos cometidos pelo Judiciário e
pela mídia em relação a José Dirceu; "Há mais de quatro meses o
ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre pena em regime fechado,
mesmo tendo sido condenado ao cumprimento inicial em sistema semiaberto. O
presidente do STF, com a cumplicidade do juiz encarregado da execução penal,
pisoteia ou posterga decisões da própria corte", diz ele; o que está em jogo,
diz Altman, é a própria democracia brasileira; "O silêncio sobre o caso é
tão abominável quanto aquele que, no passado, franqueou decisões do STF
entregando Olga Benário ao nazismo ou chancelando o golpe militar de 1964"
23 DE MARÇO DE 2014 ÀS 06:43
Por Breno Altman
Um espectro ronda a vida institucional e jurídica do país,
movimentando-se na calada da sociedade e do Estado. Seus contornos
podem ser definidos por uma pergunta: a democracia comporta o linchamento
midiático e processual como ferramenta para eliminar inimigos políticos?
A questão leva nome e sobrenome. Há mais de quatro meses o
ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre pena em regime fechado,
mesmo tendo sido condenado ao cumprimento inicial em sistema semiaberto. O
presidente do STF, com a cumplicidade do juiz encarregado da execução penal,
pisoteia ou posterga decisões da própria corte.
Não importa, a esses senhores e seus aliados, que a essência
da acusação contra o líder petista tenha sido esvaziada pela absolvição acerca
da formação de quadrilha. Afinal, sentenciado sem provas materiais ou
testemunhais, Dirceu teve sua culpa determinada por uma teoria que considerava
suficiente a função que eventualmente exercera no comando de suposto bando
criminoso, cuja existência não é mais reconhecida.
O grupo chefiado pelo ministro Joaquim Barbosa, no entanto,
resolveu virar as costas para a soberania da instituição que preside. Sob
pretexto de regalias e privilégios que jamais se comprovam, mas emergem como
verdadeiros nas páginas de jornais e revistas, a José Dirceu se nega o mais
comezinho dos direitos. Permanece preso de forma ilegal, dia após dia, em
processo no qual a justiça se vê substituída pela vingança.
Há poucos paralelos na história posterior à
redemocratização, revelando o poderio dos setores mais conservadores e
autoritários quase três décadas depois de findada a ditadura dos generais. As
irregularidades contra Dirceu, acima de problema humanitário, afetam pilares
fundamentais do regime democrático e civilizado.
O mais triste e preocupante, porém, é a omissão do mundo
político diante da barbaridade. Vozes representativas do Estado e da sociedade
fazem opção pela abulia e a passividade, possivelmente, e de antemão,
atemorizadas pela reação de alguns veículos de comunicação e o dano
de imagem que poderiam provocar contra quem ousasse dissentir.
O protesto cresce entre cidadãos e ativistas, alcança o
universo jurídico, recebe acolhida de alguns articulistas e chega a provocar
certo nível de resposta nos partidos e organizações progressistas. Mas a
ilegalidade, respaldada por boa parte da mídia tradicional, não é enfrentada à
altura por autoridades governamentais e entidades cujo papel obrigatório na
defesa dos direitos democráticos deveria impor outro comportamento.
O mutismo refugia-se em álibis como a independência entre
poderes e o caráter terminal da sentença promulgada pelo STF. Como se o bem
supremo a ser defendido não fosse a Constituição, mas o respeito ritualístico a
uma instância na qual se formou maioria transitória a favor do arbítrio.
Outra camuflagem aparece sob a forma de
abordagem unilateral ao que vem a ser liberdade de imprensa. Como se
empresas jornalísticas estivessem acima das normas e do escrutínio da
cidadania. Ou é aceitável que responsáveis pela coisa pública abdiquem da
crítica frontal quando meios de comunicação violam conduta para destruir
reputações e prerrogativas inscritas em lei?
Estes são, enfim, temas da democracia, não apenas da
solidariedade a José Dirceu ou da jurisdição de petistas que lhe são leais. O silêncio
sobre o caso é tão abominável quanto aquele que, no passado, franqueou decisões
do STF entregando Olga Benário ao nazismo ou chancelando o golpe militar de
1964.
Breno Altman, 52, é diretor editorial do site Opera
Mundi.
Do Grupo Beatrice.
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