"Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções
de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais", diz
editorial de página inteira publicado neste domingo, 30 de março, quando
se completam 50 anos do golpe que culminou em uma ditadura militar;
"Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados,
mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades
individuais", afirma ainda o jornal de Otavio Frias Filho; texto defende
que repúdio ao regime é merecido, mas que nem todas as críticas têm
fundamento
30 DE MARÇO DE 2014
247 – Em um editorial de página inteira,
a Folha de S. Paulo justifica neste domingo 30, quando se completam 30
anos do golpe militar no Brasil, o apoio que deu o regime. "Aos olhos de
hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro", diz o texto. "Este jornal
deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um
defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais",
prossegue o texto.
O jornal de Otavio Frias Filho ressalta que "é fácil, até pusilânime,
porém, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos,
exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais".
De acordo com a publicação, os defensores do regime militar, à época,
"agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias".
Texto defende também que repúdio ao regime é merecido, mas que nem
todas as críticas têm fundamento.
A Folha é acusada de ter colaborado com a ditadura militar emprestando
carros da empresa para que policiais do DOI-Codi, órgão de repressão da
ditadura, fizessem campana e prendessem militantes de esquerda. Dois
deles afirmam, em depoimento, ter visto caminhonetes do jornal no prédio
do DOI-Codi na rua Tutoia, no bairro da Vila Mariana, zona sul de São
Paulo, onde ficaram presos.
Leia abaixo a íntegra do editorial:
1964
O regime militar (1964-1985) tem sido alvo de merecido e generalizado
repúdio. A consolidação da democracia, nas últimas três décadas, torna
ainda mais notória a violência que a ditadura representou.
Violência contra a população, privada do direito elementar ao
autogoverno. E violência contra os opositores, perseguidos por mero
delito de opinião, quando não presos ilegalmente e torturados, sobretudo
no período de combate à guerrilha, entre 1969 e 1974.
Aquela foi uma era de feroz confronto entre dois modelos de sociedade
--o socialismo revolucionário e a economia de mercado. Polarizadas, as
forças engajadas em cada lado sabotavam as fórmulas intermediárias e a
própria confiança na solução pacífica das divergências, essencial à
democracia representativa.
A direita e parte dos liberais violaram a ordem constitucional em 1964 e
impuseram um governo ilegítimo. Alegavam fazer uma contrarrevolução,
destinada a impedir seus adversários de implantar ditadura ainda pior,
mas com isso detiveram todo um impulso de mudança e participação social.
Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de
realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de
demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em
certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada
dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários,
uma ditadura comunista no país.
As responsabilidades pela espiral de violência se distribuem, assim,
pelos dois extremos, mas não igualmente: a maior parcela de culpa cabe
ao lado que impôs a lei do mais forte, e o pior crime foi cometido por
aqueles que fizeram da tortura uma política clandestina de Estado.
Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento.
Realizações de cunho econômico e estrutural desmentem a noção de um
período de estagnação ou retrocesso.
Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per
capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunicações
se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo,
manteve-se baixa.
Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que
acentuou a iniquidade. Mesmo assim, um dado social revelador como a taxa
de mortalidade infantil a cada mil nascimentos, que era 116 em 1965,
caiu a 63 em 1985 (e melhorou cada vez mais até chegar a 15,3 em 2011).
No atendimento às demandas de saúde e educação, contudo, a ditadura ficou aquém de seu desempenho econômico.
Sob um aspecto importante, 1964 não marca uma ruptura, mas o
prosseguimento de um rumo anterior. Os governos militares consolidaram a
política de substituição de importações, via proteção tarifária, que
vinha sendo a principal alavanca da industrialização induzida pelo
Estado e que permitiu, nos anos 70, instalar a indústria pesada no país.
A economia se diversificou e a sociedade não apenas se urbanizou (metade
dos brasileiros vivia em cidades em 1964; duas décadas depois, eram
mais de 70%) mas também se tornou mais dinâmica e complexa. Metrópoles
cresceram de modo desordenado, ensejando problemas agudos de circulação e
segurança.
O regime passou por fases diferentes, desde o surto repressivo do
primeiro ano e o interregno moderado que precedeu a ditadura desabrida,
brutal, da passagem da década, até uma demorada abertura política,
iniciada dez anos antes de sua extinção formal, em 1985.
As crises do petróleo e da dívida externa desencadearam desarranjos na
economia, logo traduzidos em perda de apoio, inclusive eleitoral. O
regime se tornara estreito para uma sociedade que não cabia mais em seus
limites. Dissolveu-se numa transição negociada da qual a anistia
recíproca foi o alicerce.
Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a
primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais
críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje,
aquele apoio foi um erro.
Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados,
mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades
individuais.
É fácil, até pusilânime, porém, condenar agora os responsáveis pelas
opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e
angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável
naquelas circunstâncias.
Visto em perspectiva, o período foi um longo e doloroso aprendizado para
todos os que atuam no espaço público, até atingirem a atual maturidade
no respeito comum às regras e na renúncia à violência como forma de
lutar por ideias. Que continue sendo assim.
Postado há 25 minutes ago por Blog Justiceira de Esquerda
Do Blog Justiceira de Esquerda.
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