terça-feira, 19 de junho de 2012

Erundina trabalha de graça para a direita

Crônicas do Motta
Os idealistas trabalham de graça

Quando eu tinha meus 20 anos e era chefe de reportagem do "Jornal de Jundiaí", certa vez fiquei pelo menos umas três horas trancado na sala do dono da empresa, tentando arrancar dele um aumento para alguns companheiros de redação, ainda mais novos que eu.

Naquele tempo ainda acreditava que o jornalismo era mais que um simples trabalho, era um ofício com poder transformador - como muitos, sinceramente achava que as palavras tinham força.

Não me lembro bem do fim da nossa conversa, acho que não consegui nada para os meus colegas, mas me recordo exatamente de uma frase dita pelo tal patrão, com certeza o pior de todos que já conheci. A frase, porém, tal o seu grau de cinismo, era muito boa:
- Adoro os idealistas, pois eles trabalham por pouco, não preciso pagar quase nada para eles.

E assim passei grande parte de minha vida vendo os idealistas morrerem paupérrimos por seus ideais e os maus patrões ficarem cada vez mais ricos.

Ou então assistindo os idealistas entrarem em batalhas de mãos limpas, desarmados, cheios de boas intenções, os corações puros e as mentes em êxtase - e serem trucidados com a facilidade com que a gente esmaga os insetos.

Lula foi um idealista. Como idealista perdeu a eleição em 1982 para o governo do Estado, concorreu à presidência e foi derrotado em 1989, perdeu novamente em 1994 e mais uma vez em 1998.

Lula perdeu todas as eleições majoritárias que disputou enquanto foi um idealista e subia nos palanques tendo como companhia apenas a sua fúria de idealista.

E enquanto vociferava slogans revolucionários de idealista o país afundava.

Um belo dia, Lula resolveu que se quisesse ser um vencedor não bastava ser um idealista.

Entendeu que sozinho o PT não iria nunca ser vitorioso, que precisava fazer alianças com gente de fora para ter alguma chance eleitoral.

Compreendeu que só os idiotas ou suicidas entram numa guerra desarmados.

A partir daí, a história do Brasil mudou, queiram ou não seus inimigos de variados matizes ideológicos.

A sua foto com Maluf, celebrando o apoio do PP à candidatura de Fernando Haddad, sei bem, chocou os idealistas. Não vou perder tempo tentando convencê-los de nada: cada um pensa o que quiser, julga os outros como bem entender, vota em quem achar que merece o seu voto, ou simplesmente o anula.

Como já estou numa idade que me impede de buscar o ouro no fim do arco-íris ou de me aprofundar em discussões sobre o sexo dos anjos, achei que a foto de Lula com Maluf é apenas parte de um jogo muito difícil de ser jogado e entendido por quem não é do ramo, mas que se resume no seguinte: é melhor ganhar um aliado que um inimigo, é melhor somar que dividir, é melhor ter mais tempo de propaganda que o adversário, é melhor se mostrar flexível que intransigente, é melhor ser inteligente que estúpido.

Penso assim: cada idealista com o seu ideal.

O meu, nesta eleição municipal, é o mais singelo do mundo: derrotar José Serra. Se for sem Maluf, melhor, se tiver de ser com ele, tudo bem; se for com Erundina, ótimo, se ela quiser pular do barco e levar junto o seu idealismo, problema dela, que vá ser feliz em outra freguesia.

NOTA DO BLOG DO SARAIVA:
Como sempre, mais uma excelente crônica do Motta.
Concordo integralmente com a conclusão.
Com o atual sistema de eleições, enquanto não houver a reforma política-partidária, inclusive no que diz respeito ao tempo de propaganda na televisão.
É bom levar em conta que o apoio de PP de Maluf é transitório, certo que no plano estadual continua com o PSDB de Geraldo Alkmim, que no meu entender deu uma pernada no Serra, a quem Maluf já estava pronto para apoiar.
Em outras palavras, o PT e o PP não vão se fundir e Maluf não terá cargo no governo de Haddad.
Confesso que no início meu idealismo foi por água baixo, mas agora vejo que não haveria outra solução, porque se Maluf apoiasse o José Serra, garantido estava a permanência do PSDB no governo do Município de SP.
É o que penso.
Saraiva

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Leia mais em: O Esquerdopata
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2 comentários:

Ewerardo Tabatinga disse...

Também penso assim. O apoio do Maluf deveria ser visto como um apoio ao projeto do PT para a cidade de São Paulo, que precisa libertar-se dos tucanos e de suas políticas neoliberais de exclusão. E a Polícia de São Paulo não severia apenas para bater em estudantes e trabalhadores.

Alex Catarino disse...

Como tudo na vida, temos que avaliar o rácio risco/recompensa.

Quando Lula se tornou presidente em 2002, o PT tinha vindo crescido desde 1989 quando ele lhe deu maior visibilidade. A boa gestão do PT em estados e municípios cimentou essa visibilidade, bem como a posição coerente dos seus deputados e senadores. Assim, Lula sabia que a recompensa de se coligar (ganhar a presidência) era alta para um risco pequeno (perder com aliados, digamos, "tóxicos"). Em 1989, 1994 e 1998, Lula, mesmo com aliados tóxicos (se os conseguisse capturar), teria alta probabilidade de perder e alienar sua base. Em suma, se você arriscar a alienação da sua base, então que pense que tem ALTA probabilidade de ganhar.

O caso de Haddad em São Paulo é completamente diferente. Depois de ter ganho as eleições em 2000 com Marta Suplicy chegando aos 58%, o PT (sempre com Marta) perdeu com 45% e 39% em 2004 e 2008 respectivamente. Mostrando que a imagem do PT tem se deteriorado em São Paulo, logo o risco de perder já é alto demais para acrescentar o risco de alienar a base ao fazer uma aliança tóxica (com a cara de Maluf). Será que derrotar José Serra é tão importante assim? Dizendo de outra forma, ter a prefeitura de São Paulo ganhando uma eleição sobre José Serra é uma recompensa tão gostosa assim? Para além disso, Haddad conseguirá gerir São Paulo com políticas de esquerda (se isso ainda é um objetivo, sei lá) coligado com Maluf?

Se Fernando Haddad perder (o que para já é muito provável), o PT pode ter manchado a carreira política de um dos seus "jovens" mais promissores. Haddad tem vindo a fazer declarações que contradizem posições tomadas recentemente. Tudo isso para que não desagradar os aliados, mas assim vai perdendo "a moral" com a base que ele só recuperará se vencer.