Críticas ao Supremo Tribunal Federal
se intensificam à medida que julgamento da ação penal 470 avança para
decidir futuro da antiga cúpula do PT. Ao analisar essas manifestações,
a Carta Maior encontrou seis principais linhas argumentativas. São
elas: 1) Pressão da grande imprensa; 2) Protagonismo da teoria do
“domínio do fato”; 3) Nova interpretação do crime de lavagem de
dinheiro; 4) Tratamento distinto do "mensalão tucano"; 5) Julgamento em
pleno período eleitoral; 6) Preconceito contra a política e o campo
popular.
São Paulo – À medida que avança o julgamento do chamado ‘mensalão’ no
Supremo Tribunal Federal (STF), também se avolumam manifestações de
intelectuais, juristas e outros nomes públicos sobre as decisões dos
ministros. Nesta quarta-feira (26), uma “carta aberta ao povo brasileiro”, assinada por dezenas de personalidades, se espalha pela internet. E comentaristas como o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos já falam que o STF pode estar conduzindo um “julgamento de exceção”.
As críticas recaem sobre diversas questões que envolvem a análise do
processo até aqui. Passam pelo ambiente externo ao julgamento, no qual a
grande imprensa assume abertamente posição pró-punição, e chegam às
teses empregadas pelos ministros nas condenações, consideradas em alguns
casos como reinterpretação de posições anteriores da corte.
A Carta Maior reuniu, a seguir, as seis principais linhas
argumentativas utilizadas pelos críticos do STF em artigos de jornais,
entrevistas e outras manifestações públicas nas últimas semanas. Em
geral, eles não tratam da inocência ou culpa dos réus, mas cobram
respeito ao devido processo legal - o abrangente conceito
constitucional que é uma das bases do estado democrático de direito.
Confira:
1) Pressão da grande imprensa: antes do início do julgamento, o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello já alertava
para o risco de que o STF tomasse uma decisão “política” e não
“técnica”, diante da enorme pressão da grande imprensa pela condenação
dos réus. Conforme essa linha crítica, a corte, poderia atropelar
direitos dos réus, como o duplo grau de jurisdição (o que foi negado no
início do julgamento, quando se recusou o desmembramento) e o princípio
do contraditório (uso de declarações à imprensa e à CPI pelos réus).
Vale lembrar que em 2007, quando o STF aceitou a denúncia, o ministro
Ricardo Lewandowski foi flagrado em uma conversa telefônica em que dizia
que a “imprensa acuou o Supremo” e “todo mundo votou com a faca no
pescoço".
2) Protagonismo da teoria do “domínio do fato”: na falta de
“atos de ofício” que vinculem réus às supostas ações criminosas, os
ministros – como Rosa Weber e Celso de Mello – têm se valido da teoria
do “domínio do fato”, que busca fundamentar a punição de mandantes que
por ventura não tenham deixado rastros. O problema é que essa teoria é
de rara utilização no STF, e não costuma servir de base única para
condenações, segundo o professor da USP Renato de Mello Jorge Silveira,
pesquisador do assunto. Diante da ausência de provas e da fragilidade
dos indícios contra o ex-ministro José Dirceu, chamado de “chefe da
quadrilha” na denúncia do Ministério Público Federal, especula-se que os
ministros terão de se valer dessa tese para condená-lo.
3) Nova interpretação do crime de lavagem de dinheiro: pelo entendimento pacificado até antes do “mensalão”,
a materialidade da lavagem de dinheiro pressupunha ao menos duas
etapas – a prática de um crime antecedente e a conduta de ocultar ou
dissimular o produto oriundo do ilícito penal anterior. A entrega dos
recursos provenientes dos “empréstimos fictícios” do Banco Rural foi
considerada lavagem, e não exaurimento do crime antecedente de gestão
fraudulenta de instituição financeira. Da mesma forma, e por apenas um
voto de diferença, o saque do dinheiro na boca do caixa foi considerado
lavagem, e não exaurimento do crime de corrupção. Para os advogados,
esse novo entendimento superdimensionará o crime de lavagem, já que
sempre que alguém cometer qualquer delito com resultados financeiros e
os entregar a outro, incorrerá, automaticamente, nesta prática.
4) Tratamento distinto do "mensalão tucano": o suposto esquema
de financiamento ilegal de campanhas políticas do PSDB de Minas Gerais,
montado pelo publicitário Marcos Valério, aconteceu em 1998, portanto
cinco antes do caso que envolve o PT. Entretanto, não há previsão de
quando haverá o julgamento. O chamado “mensalão tucano” tem 15 pessoas
como rés e acabou desmembrado entre STF e Justiça mineira pelo ministro
Joaquim Barbosa, que, no entanto, recusou esse mesmo pedido dos
advogados no caso em julgamento. O tratamento do Ministério Público
Federal também foi distinto:
na ação penal contra o PT, o MPF entendeu que o repasse de dinheiro
para saldar dívidas de campanha configura crimes como corrupção ativa,
peculato e quadrilha. Já no processo contra o PSDB, o entendimento foi
de que era mero caixa dois eleitoral. Por causa disso, no caso mineiro o
MPF pediu o arquivamento do inquérito contra 79 deputados e
ex-deputados que receberam recursos.
5) Julgamento em pleno período eleitoral: ao decidir fazer o
julgamento no período das eleições municipais, o STF tornou-se um dos
protagonistas das campanhas dos adversários do PT. As decisões dos
ministros têm sido amplamente divulgadas nos programas de rádio e
televisão, que pretendem gerar danos à imagem de candidatos do partido
sem qualquer relação com o processo do "mensalão". Os efeitos
eleitorais das decisões da corte podem ser ainda mais intensos porque a maioria dos réus petistas deve ser julgada na semana anterior às eleições municipais.
6) Preconceito contra a política e o campo popular: ainda que os
ministros do STF estejam fundamentando juridicamente suas decisões,
conforme o princípio da ampla defesa, algumas manifestações durante o
julgamento revelam “preconceito” contra os políticos, em especial os do
campo popular. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos
tratou do assunto em entrevista à Carta Maior,
ao dizer que há um “discurso paralelo contra a atividade política
profissional” nas falas de alguns ministros. Não é surpresa que esse
discurso é o mesmo daquele da grande mídia, em que o tom acusatório
sempre reverberou contra os réus do suposto "mensalão".
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