Lula deveria ter respondido?
Diário do Centro do Mundo
Achei que era óbvio, mas pelo visto não era.
Lula não poderia ter respondido a Marcos Valério. Não em circunstâncias
normais, e muito menos quando o próprio Marcos Valério nega que tenha
dito o que dizem que ele disse.
Lula teria sido muito bobo se chancelasse o jogo do “disse-que-teria-dito”, e isso ele não é.
Qualquer pessoa razoavelmente inteligente, ou que não sendo tenha um
advogado por perto, não responderia. O que quer que Lula dissesse apenas
daria mais balas a quem deseja fuzilá-lo.
O debate em torno de Lula ultrapassou, já há muito tempo, os limites da
racionalidade. Instalou-se, na grande imprensa, um vale-tudo em que o
bom jornalismo não quer simplesmente dizer mais nada.
Uma suposta denúncia de um conhecido vigarista ganha instantaneamente
status de verdade absoluta e indiscutível para quem é contra Lula. Uma
palavra que qualquer jornalista mediano colocaria sob suspeição, dada a
fonte despida de qualquer credibilidade, acaba – por obtusidade cínica
ou má fé córnea, para usar a grande expressão de Eça de Queiroz – se
transformando no equivalente a um verso do Corão para um muçulmano
praticante.
Tenho para mim que Lula faz bem, de resto, em não tornar ainda mais
tenso o ambiente político brasileiro. (Se é verdade que Rui Falcão anda
criticando pesadamente a mídia, alguém deveria serená-lo.)
Em dois países vizinhos, existe um quadro parecido. Governos de esquerda
são massacrados, na Venezuela e no Equador, pela mídia estabelecida.
Não importa que Rafael Correa, do Equador, tenha vencido duas eleições:
um comentarista auto-exilado em Miami o chamada de “Grande Ditador”. Nos
dois casos, os presidentes têm reagido com fragor. Chávez, na
Venezuela, é xingado e xinga, bem como Correa.
No Brasil, se a mídia age à maneira da imprensa venezuelana e
equatoriana, a diferença está na atitude primeiro de Lula e agora de
Dilma. Eles não estão reagindo aos ataques, e isso é bom para o Brasil e
os brasileiros. De outra forma, a sociedade viveria sob uma uma
atmosfera irrespirável.
Sequer na sombra surgem retaliações. Leio que a verba publicitária em
2011 do governo para a Globo – que astutamente, aspas, finge
objetividade enquanto só dá voz e colunas a quem é visceralmente
anti-Lula – foi de 50 milhões de reais. Para a Carta Capital, sempre
atacada por ser chapa branca, restou um fragmento: 100 mil reais.
Não seria bom para ninguém se Lula ou Dilma agissem como Chávez ou
Correa. Os que querem se livrar de Lula a todo preço deveriam respirar
fundo e lembrar que ele tem um apoio extraordinário entre os
brasileiros. Collor foi chutado sem reação, por não ter base nenhuma,
mas se o mesmo acontecesse a Lula o cenário seria diferente.
Me parece às vezes que é aquele caso do garoto que vai provocando um
outro, e mais, e mais, porque não encontra reação. Toma a prudência por
medo, e excede na insolência até que um dia as coisas realmente se
complicam. Gostaria de ver tanto destemor , aspas, se vivêssemos sob uma
ditadura. Basta ver o comportamento da Globo de Roberto Marinho sob os
militares para ver onde vai parar tamanho ardor. Saem os Jabores e
entram os Amarais Netos, ao sabor das circunstâncias.
Quem quer ver Lula e o PT fora do poder – um direito legítimo de
qualquer cidadão — tem que trabalhar duro: conquistar a simpatia da
maioria dos brasileiros, mas não com truques baixos porque a voz rouca
das ruas não é idiota, e ganhar nas urnas.
Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi
editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação
da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora
Abril e diretor editorial da Editora Globo.
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