O Pew Research Center ao longo de um ano levou adiante uma pesquisa que
entrevistou dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo para
averiguar quem, nos últimos cinco anos, melhorou de vida, piorou ou
ficou na mesma. Setenta e dois por cento dos brasileiros dizem ter
melhorado, 16% pioraram, 12% estacionaram.
Eis o resultado mais alvissareiro de toda a pesquisa, a se levar em
conta que, colocados em segundo lugar, 70% dos chineses declaram
progresso. Parece lógico que os emergentes apresentem resultados
positivos, bem ao contrário dos países do chamado Primeiro Mundo,
atingidos em cheio pela crise econômica, a punir sobretudo os adoradores
do deus mercado, versão atualizada do bezerro de ouro.
Uma análise isenta dirá que, no caso do Brasil, o inegável avanço se dá
graças às políticas sociais dos oito anos do governo Lula, de
continuidade assegurada por Dilma Rousseff. Com isso, CartaCapital
ganha motivos validíssimos para entender ter acertado ao apoiar com
empenho igual as candidaturas à Presidência tanto daquele quanto desta.
Há outras razões, está claro, assim como houve para críticas negativas a
ações governistas, condenáveis do nosso ponto de vista.
O simlpes fato de praticarmos o jornalismo honesto leva a mídia nativa a definir CartaCapital como “chapa-branca” |
Inevitável, de todo modo, o confronto com os oito anos anteriores do
governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, aquele que, apesar do Real,
moeda benéfica, quebrou o País duas vezes, transformou a operação das
privatizações em uma bandalheira sem conta, urdiu mais de um
“mensalão”, confirmou a condição satelitar do Brasil em relação aos
Estados Unidos, aderiu passivamente ao Consenso de Washington e caiu na
rede neoliberal. Ao vencer as eleições de 2002, Lula herdou um país à
deriva, e isto é verdade factual. Não é por acaso que o PSDB, nascido
da costela do PMDB comprometido pelos Cruzados 1 e 2, se tornou bastião
da pior direita, enquanto pretendia firmar-se à esquerda.
Nos seus 18 anos de vida, gastos com a intenção de viver muitos e muitos mais, CartaCapital
atravessou uma quadra historicamente decisiva. Sua terceira capa,
primeiros dias de outubro de 1994, trazia o perfil de FHC e uma longa
entrevista do novo presidente, a primeira na condição de recém-eleito,
concedida ao abaixo assinado. De verdade, acontecera antes da eleição,
mas, com a certeza absoluta da vitória tucana, saiu como se tivesse sido
realizada logo após o pleito, com a aprovação e alguns retoques do
próprio FHC.
Recordo aquele encontro no apartamento senatorial do ministro
desincompatibilizado, em Brasília. Comecei com uma pergunta a respeito
de uma visita de Jean-Paul Sartre ao Brasil em 1962, ocasião em que o
jovem sociólogo foi um dos seus guias pelo estado de São Paulo.
Observei: “Então você era vermelhinho”. “Já combinava Marx com Weber”,
respondeu prontamente. “Espera aí – disse eu –, no prefácio do seu
primeiro livro, lançado em 62, você escreveu ter aplicado ali o método
dialético-marxista…” Ele agradeceu pela lembrança, e logo sublinhou: “Na
segunda edição retirei a referência”.
Mais adiante ele defenderia a ideia de que um governante não pode
mentir, embora seja admissível omitir, conforme as circunstâncias.
Pragmatismo, pragmatismo… Não sei como catalogar o segundo capítulo da
presidência fernandista que principia com a campanha à reeleição, a
prometer estabilidade a todo custo, e se encerra com a desvalorização do
real exatos 12 dias após a posse para o segundo mandato. Até o doutor
Roberto Marinho, nosso colega como asseveravam seus empregados e
confirmou a atual ministra Marta quando prefeita de São Paulo, ficou
endividado por ter acreditado na sua colunista Miriam Leitão, sanfoneira
(ou violinista?) de FHC durante a campanha. E ad aeternitatem.
Derrotados os tucanos, o que inquietou CartaCapital foi o
comportamento da facção petista pronta a reeditar artimanhas e mazelas
previamente excogitadas por Serjão Motta na confecção de um plano de
poder de longo prazo. Longuíssimo. E inquietaram coisas e situação
mais. Em uma das capas imediatamente seguintes à posse de Lula para o
primeiro mandato, diante da nomeação de Henrique Meirelles para a
presidência do Banco Central, perguntávamos: “Banqueiro do povo?”
Não foi o único ministro a despertar nossas dúvidas ao longo dos dois
mandatos de Lula: José Dirceu, Palocci, Márcio Thomaz Bastos, Nelson
Jobim, Tarso Genro, na estulta defesa de Cesare Battisti, ladrãozinho do
arrabalde e assassino por oportunismo. Da mesma forma, lamentamos a
chegada dos transgênicos, o contubérnio com Ricardo Teixeira em razão do
próximo Mundial de Futebol, o enterro da Satiagraha e o desterro do
honrado delegado Paulo Lacerda. Há um aspecto até hoje inexplicável para
nós, a leniência em relação a Daniel Dantas, na nossa opinião o maior
vilão nativo, envolvido em todos os escândalos eclodidos nestes últimos
18 anos.
Pretendemos ser coerentes com a prática do jornalismo honesto, de sorte
que não arrefeceremos em busca de respostas às nossas dúvidas e
perplexidades, e nas críticas, apoios e endossos, em conformidade com os
eventos. Em relação à política exterior praticada a partir de 2003 só
cabe o louvor irrestrito a quem soube tirar o Brasil do quintal de Tio
Sam, ou a quem persegue a política social da inclusão, ou uma política
econômica que tende a abjurar a religião do deus mercado.
CartaCapital começou como mensal, progrediu para quinzenal em
março de 1996, tornou-se semanal em agosto de 2001. No confronto com a
mídia nativa, estamos do lado oposto, juntamente com algumas vozes
isoladas a se manifestarem em papel impresso e pela internet. O simples
fato de exercer o jornalismo honesto sem detrimento das opiniões
ditadas pelo nosso espírito crítico e pela nossa visão da vida e do
mundo, nos distingue brutalmente dos arautos do pensamento único,
representantes e intérpretes da casa-grande. Para eles, isenção
autêntica é própria de uma imprensa “chapa-branca”. À luz da verdade
factual, chapa-branca é a mídia nativa, de um poder medieval.
Nesta resistência do passado residem todos os males do Brasil,
destinado a um notável futuro em primeiro lugar pelos desígnios da
natureza contra a vontade de quem mandou, a pretensa elite, do atraso, é
bom acentuar. “Eles querem um País de 20 milhões de habitantes e uma
democracia sem povo”, dizia Raymundo Faoro, que não me canso de
recordar, e evocar em proveito dos leitores de CartaCapital.
Acreditamos que de dez anos para cá cresceu o número de quem deseja um
Brasil para todos os brasileiros, e este é pecado aos olhos de quantos
se movem ao sabor da prepotência, da arrogância, do preconceito, da
ignorância e do medo.
O caminho está traçado com extrema nitidez. Partam de uma reflexão isenta dos resultados da pesquisa do Pew Research Center.
Mino CartaNo CartaCapital
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