LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br
Nas centenas de manifestações indignadas com meu artigo (estritamente
jurídico e explicativo) que fala da possibilidade de a decisão do STF no
mensalão ser revisada pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos notei um ponto central que ainda não foi bem compreendido no
Brasil: como pode uma Convenção ou Tratado Internacional ser superior à
Constituição brasileira? Como pode uma Corte Internacional ser superior
ao STF? Você acha que uma Corte Internacional vai mandar no STF?
Te convido a “viajar” junto comigo nessa questão. Vamos lá. As leis
brasileiras permitem a prisão civil do depositário infiel? Sim. A
Constituição brasileira autoriza a prisão civil do depositário infiel?
Sim. Por que então ela foi proibida pelo próprio STF na Súmula
Vinculante 25? Porque o art. 7º da Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH) só permite prisão civil do alimentante inadimplente.
Quando a Constituição do Brasil conflita com a Convenção Americana quem
manda? Para aqueles não têm formação jurídica ou contam com formação
jurídica ainda em fase de andamento, mandaria sempre a CF. Resposta
errada! Nem sempre. Pode ser que sim, pode ser que não.
Por quê? Porque manda, na verdade, a norma mais favorável aos direitos e
liberdades das pessoas (a norma mais favorável, consoante o princípio pro homine). Quem disse isso? STF. Onde? No Recurso Extraordinário 466.343-SP.
Por que a proibição da prisão civil para o depositário, prevista na
CADH, foi respeitada, em detrimento (em prejuízo) da CF? Porque mais
favorável. Então o STF segue essa doutrina da norma mais favorável? Sim
(é só ver a Súmula Vinculante 25).
O Brasil está sujeito à jurisprudência do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos? Sim. Desde quando? Desde 1998. O Brasil era livre para
aceitar ou não essa jurisprudência? Sim. Se aceitou, agora tem que
cumprir o que a Corte decide? Sim. Por força de qual princípio?
Perdoem-me o nomão feio: pacta sunt servanda (assinou um pacto, agora cumpre). Você não é obrigado a assinar nenhum documento de que me deve mil reais. Se assinar, cumpra!
Já houve algum caso em que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(que está em Washington) ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos
(que está em San Jose da Costa Rica) já tenha condenado o Brasil? Sim.
Muitos casos? Sim. Quais (por exemplo)? Caso Ximenes Lopes, Maria da
Penha, Escher, Septimo Garibaldi, Araguaia etc. Muitos casos. O Brasil
está cumprindo essas decisões? Sim (pagando indenizações, respeitando
regras, mudando o direito interno etc.). Por que o Brasil está
cumprindo? Para honrar seus compromissos e por causa das sanções
internacionais possíveis (proibição de exportação de produtos, por
exemplo).
A jurisprudência do Sistema Interamericano é vinculante para o Brasil?
Sim. Por que a jurisprudência brasileira não a segue rigorosamente?
Porque não temos tradição (nem cultura) de respeitar os pactos
internacionais que firmamos. Agora que isso está mudando (pouco a
pouco).
Então afirmar que a decisão do mensalão pode ser questionada junto à
Comissão Interamericana é “viajar na maionese” (expressão de um
indignado, dirigida a mim carinhosamente)? Não. Por que não? Porque
apontamos casos concretos já julgados pela Corte internacional que
deveriam orientar o julgamento do STF (Las Palmeras e Barreto Leiva).
Há risco de haver revisão internacional desse julgamento (tão
emblemático quanto moral, ética, cultural e politicamente importante)?
Sim. Isso é invenção de quem? Do próprio Brasil que assinou tratados
internacionais e aceitou a jurisprudência do Sistema Interamericano. Mas
as decisões citadas, contra Colômbia e Venezuela, valem no Brasil? São
decisões que formam precedentes. Nos casos idênticos a Corte vai
segui-las.
Mas, e a soberania do Brasil? Todo país que assina um pacto
internacional vai perdendo sua soberania externa, por sua livre e
espontânea vontade (Ferrajoli). Os réus do mensalão poderão conquistar
algum benefício no plano internacional? Podem. Novo julgamento, muito
provavelmente. Quem diz isso? Convenção Americana de Direitos Humanos,
art. 8º, 2, “h”. O que está escrito aí? O direito ao duplo grau de
jurisdição.
O Brasil, quando assinou essa Convenção, fez ressalva desse ponto? Não.
Esse direito vale para todo mundo? Sim. Inclusive para quem tem foro
privilegiado? Sim. Quem disse isso? A Corte disse isso no caso Barreto
Leiva, julgado no final de 2009.
Mas o STF não sabia disso? Muito provavelmente não. Por quê? Porque não
existe tradição sólida na jurisprudência brasileira de respeitar o
direito internacional firmado e aceito pelo Brasil. Tudo isso está
mudando? Sim, lentamente. Então a formação jurídica no Brasil terá que
ser alterada completamente? Sim, urgentemente. Por quê?
Porque toda violação dos nossos direitos previstos nos tratados
internacionais (a começar pelo direito de liberdade de expressão, que
nos permite escrever tudo que quisermos nas redes sociais, desde que não
ofenda terceiros), agora, se não amparada no Brasil, pode ser
questionada no plano internacional, onde temos 7 juízes em Washington e
mais 7 juízes na Costa Rica para nos ouvir (sempre começando pela
Comissão, que está nos EUA).
Meus amigos: vamos ficando por aqui na nossa “viagem na maionese”. Mas
me coloco à disposição de vocês para novos esclarecimentos. Avante!
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br
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