Gisele Federicce - Brasil 247
A escolha que o Brasil fez para combater a criminalidade é errada. A
avaliação, do jurista Luiz Flávio Gomes, motivou a publicação do livro "Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e Direito penal crítico"
(editora Saraiva), escrito em parceria com a também jurista Débora de
Souza de Almeida. Segundo ele, que concedeu entrevista ao 247, a tese de que o endurecimento da lei é a solução para a diminuição de crimes no País "é um engano", uma "ilusão".
Mesmo assim, com o apoio da mídia, diz ele, muitos juízes se envolvem
com o populismo penal e acabam pensando apenas em penas mais graves,
acreditando que esta seja a saída. "O que o Brasil está fazendo para
combater o crime está errado e quem combate de maneira errada sofre as
consequências. Esse é o problema do populismo: ele é enganoso, as
pessoas se iludem e a criminalidade não melhora, está cada dia pior",
afirma Gomes, que já foi promotor, juiz e advogado.
Para o doutor em Direito Penal e estudioso da área – é fundador e
presidente da Rede LFG de ensino – o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Joaquim Barbosa, é um exemplo de perfil do populismo penal.
Numa entrevista concedida no final de fevereiro, Barbosa afirmou que os
juízes brasileiros têm mentalidade "mais conservadora, pró status quo,
pró impunidade". Na opinião do jurista, "essa declaração é típica do
populismo".
Luiz Flávio Gomes afirma ainda que a teoria do populismo penal midiático
foi aplicada por Barbosa durante o julgamento da Ação Penal 470, o
'mensalão'. "Ele quis fazer do julgamento um caso exemplar de punição à
criminalidade", afirma. Por isso, acredita, foram definidas penas "fora
dos padrões" de jurisprudência do Brasil. Para ele, esta é uma forma de o
governo responder à sociedade que está fazendo algo contra a
criminalidade.
Leia abaixo os principais trechos da conversa:
Me fale um pouco do que trata o livro.
A primeira coisa é entender isso [o populismo penal midiático]. Trata-se
do seguinte: o Brasil vive hoje - há muito tempo, mas hoje está se
agravando – uma crise de segurança muito grande. Os números só aumentam.
Como reagir a essa criminalidade? De que maneira podemos reagir?
E há duas maneiras: fazendo políticas de prevenção, aí sim obtendo
resultados, e pela repressão, que é a escolha que o Brasil fez. De que
maneira o Brasil tem procurado combater o crime: envelhecimento da lei
penal. Ou seja, com a lei mais dura, conseguimos combater a
criminalidade. Mas isso é uma mentira, um engano, um engodo.
Sendo que tudo é aprovado pelo parlamento e a mídia apoia, pede o
endurecimento das penas. E o que isso tem de efeitos concretos:
praticamente zero, porque nenhum crime baixou. É o movimento populista
dos anos 90 para cá. E por que é populista? Porque busca o consenso da
população.
Que outra medida pode ser considerada populista dentro do campo penal?
Medidas contra crimes violentos e às vezes não violentos, como os crimes
econômicos. Agora o que eu abordei no livro é o efeito que isso vem
provocando nos juízes. Porque o juiz que se envolve com o populismo só
pensa em penas mais graves, em penas mais graves. Ele também acredita
que o endurecimento da lei é a solução.
E por que o senhor acha que o governo busca essa opção?
O governo faz isso porque é a medida mais barata. Quem não tem um plano
de prevenção tem que dar um tipo de resposta para o povo. No caso do
Brasil, o governo faz o que é mais fácil.
Recentemente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa,
afirmou que os juízes no Brasil têm tendência à impunidade. Essa
declaração faz dele um populista penal?
Essa declaração é típica do populismo. Ele quer que os juízes sejam mais
rigorosos, que apliquem penas mais duras. Ele acredita piamente nisso,
que a lei mais dura combate a criminalidade. E mais: ele acreditou nisso
durante o processo do mensalão. Ele quis fazer do julgamento um caso
exemplar de punição à criminalidade.
Na sua avaliação as penas do mensalão foram excessivas?
As penas do mensalão estão fora dos padrões da jurisprudência no Brasil.
Por trás de tudo, está a avaliação de que punindo um, os demais não vão
cometer crimes. Aí é que está o erro, não é assim que funciona. No
Brasil, poucos são condenados.
Então o perfil do ministro Barbosa é de um populista...
Barbosa não é só populista, é reacionário, ele tem uma linha de
desrespeito às garantias. Ele quis aplicar, por exemplo, uma pena de
multa que não existe num determinado crime. Isso viola a garantia da
legalidade, tanto que os outros ministros não concordaram. Em outro
caso, para ele, o empate significa a condenação, o que no final se viu
que não, que o empate era absolvição. Então foram vários movimentos que
indicaram esse perfil populista.
Tanto que as entidades se manifestaram contra as declarações, o acusando também de não consultá-las antes de tomar decisões...
Essa é uma tendência autoritária, não consulta as entidades. Xinga as
pessoas, xinga jornalistas, como se fosse o rei. Às vezes se comporta
como um rei soberano, que tivesse imunidade. Não é assim. Ele
desrespeita as pessoas.
O que o senhor achou da decisão que ele tomou na semana passada,
negando dois pedidos à defesa da AP 470, um referente a mais prazo para
apresentar recurso e outro sobre a consulta aos votos dos ministros?
Esta é uma decisão coerente com o que ele sempre fez: não vai dar prazo
extra. Mas não descumpriu a lei. Já era de se esperar essa decisão.
Por que o senhor decidiu escrever o livro, o que mais o incomoda?
O que o Brasil está fazendo para combater o crime está errado e quem
combate de maneira errada sofre as consequências. Esse é o problema do
populismo: ele é enganoso, as pessoas se iludem e a criminalidade não
melhora, está cada dia pior.
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