É preciso evitar que a agenda da crise paralise e ensombreça o Brasil.
Quem
adverte são economistas simpáticos ao governo, preocupados com a
prostração em que se encontra o debate do desenvolvimento.
Seriam
eles os últimos a subestimar o teor sistêmico da desordem
internacional, cuja implosão, na verdade, previram e advertiram.
Mais que isso.
Atuam para mitigar seus efeitos no país. São ouvidos e consultados pelo governo na implantação de contrapesos estratégicos.
Baixar
as taxa de juros, reduzir o superávit primário e corrigir o câmbio,
por exemplo. No limite, se necessário, adequar a meta de inflação.
O
fundamental é assegurar a travessia do colapso mundial sem trazer a
crise para dentro do Brasil, como anseia o conservadorismo.
A agenda mercadista mal disfarça esse propósito.
Com os meios generosos a sua disposição, difunde a fatalidade cinza em cada esquina.
A ênfase sobressaltada atende a interesses de bolso, ideologia e palanque.
É um bloco respeitável. Exacerbado pelo poder desigual de vocalização que o monopólio midiático lhe confere.
Tome-se
o Brasil das manchetes, que não raro agridem o próprio texto. Tome-se a
negligência diante das decisões estratégicas anunciadas na reunião dos
BRICS, em Durban.
As cinco
maiores economias emergentes criaram nada menos que um ensaio de FMI
keynesiano; e um Banco Mundial de investimento, fora da hegemonia dos
EUA. As manchetes preferiram espetar em Dilma a 'negligência com a
inflação'.
Tome-se, ainda, o
silencioso, mas expressivo processo de reindustrialização dos EUA, que
está trazendo de volta a manufatura de alta tecnologia.
Enfim, a crise continua, mas o mundo se move.
A prostração inoculada diuturnamente pelo noticiário econômico recusa ao Brasil a capacidade de dizer: ‘eppur si muove’.
É um objetivo político, não um recorte isento.
A escolha menospreza singularidades locais que podem subverter a dinâmica da crise entre nós, dizem os economistas.
Eles
dispensam os exemplos mais notórios desses trunfos - o mercado de
massa expandido nos últimos 11 anos e os níveis recordes de emprego.
Preferem
se fixar em uma alavanca quase épica que foge ao estereótipo de um
debate vicioso e datado sobre o desequilíbrio entre oferta e demanda,
entre inflação e juros.
O passo seguinte do desenvolvimento brasileiro, dizem eles, está no impulso industrializante contido no pré-sal.
A paralisia da industrialização brasileira é real e afeta todo o tecido econômico.
Asfixiada
pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria
brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes
cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
Não é um fenômeno recente, mas é progressivo.
O
PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da
transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações
recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .
O mais preocupante é o recheio disso.
Linhas
e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer
no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores. Apenas
carimbam seu logotipo ao lado do fabricante estrangeiro. Empregos
industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado,
para pior.
É possível interromper
essa sangria, com redução de juros, incentivos, desonerações,
protecionismo e ajuste do câmbio, como tem sido feito pelo governo.
Mas é difícil, muito, reverter buracos consolidados.
O
dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco
esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em
desenvolvimento dificilmente poderia arcar.
Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração soberana, e o refino, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.
É esse bilhete premiado que o pré-sal representa para o Brasil.
São
cerca de 50 bilhões de barris de petróleo, guardados a 300 km da costa
e cerca de seis mil metros abaixo da superfície d’água.
O país tem tecnologia para tirá-lo de lá. Na verdade, a Petrobras detém a ponta dessa tecnologia no mundo.
Esse trunfo avaliza a possibilidade da reindustrialização, como resposta brasileira à crise.
A agenda enfatizada pelos economistas é o oposto do que alardeia o conservadorismo.
Seu empenho, neste momento, é sequestrar a Petrobras para o palanque da campanha sombria: o ‘Brasil que não dá certo’.
Os números retrucam.
O pré-sal já produz 300 mil barris/dia. Em quatro anos, a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.
Até 2017, a estatal vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção.
Dentro
de quatro anos, os poços do pré-sal estarão produzindo um milhão de
barris/dia. Em 2020, serão 2,1 milhões de barris/dia.
Praticamente dobrando da produção atual.
O pré-sal mudou o tamanho geopolítico do Brasil.
Não
existe automatismo econômico que leve ao desenvolvimento: os efeitos
virtuosos desse salto no conjunto da economia brasileira exigiam um
lacre de segurança.
Ele foi fixado em lei, no governo Lula.
O
marco regulador do pré-sal - aprovado com a oposição de quem agora
agita a bandeira da defesa da Petrobras - institui o regime de partilha
e transfere o comando de todo o processo tecnológico, logístico,
industrial, comercial e financeiro da exploração à estatal.
Todos
os contratados assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula
obrigatória de conteúdo nacional nas compras – da ordem de 60% , pelo
menos.
Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra.
Toda
uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços
diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será
alavancada nos próximos anos.
O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador industrial nessa área.
É
sobre isso que os economistas falam quando demonstram impaciência com o
círculo vicioso de fatalismo embutido na pauta conservadora da crise.
O mais difícil foi feito.
O
novo marco regulador transfere à Petrobras a responsabilidade
soberana de harmonizar duas variáveis básicas: o ritmo da extração e do
refino; e a capacidade brasileira de atender à demanda por
plataformas, máquinas, barcos, sondas etc.
Se
a exploração corresse livre, como gostariam a república dos acionistas
e as multinacionais, o fôlego da indústria local seria atropelado.
Todo o efeito multiplicador vazaria na forma de importações e geração de empregos lá fora.
Não são apenas negócios, portanto.
Cerca
de 300 mil jovens brasileiros serão treinados nos próximos anos pelo
Promimp, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e
Gás Natural.
Sem o novo marco regulador, que sofreu um cerco beligerante do conservadorismo, eles seriam desnecessários.
A arquitetura da soberania pressupõe, ainda, forte expansão da rede brasileira de refinarias, estagnada desde 1980.
Cinco plantas estão sendo construídas, simultaneamente.
Tudo
isso causa erupções cutâneas na pátria dos dividendos, que prefere
embolsar lucros rápidos, com o embarque predatório de óleo bruto.
O
parque tecnológico de ponta que está nascendo na Ilha do Fundão, no
Rio de Janeiro, com laboratórios de todo o mundo, é um desperdício do
ponto de vista dessa lógica.
Ele é uma espécie de berçário da reindustrialização que se preconiza.
Dali
sairão inovações e tecnologias que vão irradiar saltos de eficiência e
produtividade em toda a rede de fornecedores nacionais do pré-sal.
É
desse amplo arcabouço de medidas e salvaguardas que poderão jorrar os
recursos do fundo soberano para erradicar as grandes iniquidades que
ainda afligem a população brasileira.
Tudo
isso é sabido. Mas passa hoje por um moedor de memória e esperanças,
destinado a triturar a reputação da estatal, que detém o comando sobre
esse processo.
Desqualificá-la é
um requisito para reverter a blindagem em torno de uma riqueza, da
qual as petroleiras internacionais e o privatismo de bico longo ainda
não desistiram.
A Petrobras passa por ajustes compreensíveis depois do gigantesco estirão desencadeado pelas descobertas do pré-sal.
Uma
crise planetária atravessou o seu caminho e o do seu faturamento, bem
como o de todas as grandes corporações do planeta. Após o colapso de
2008, a cotação do barril de petróleo recuou de US$150 para US$ 35.
Ainda assim, seu lucro em 2012 foi de R$ 21,18 bilhões.
Ficou em R$ 8 bilhões, ao final do governo do PSDB.
A narrativa que ensombrece o país capturou a Petrobras para a pauta da crise sem fim.
Cabe ao governo, em primeiro lugar, pôr ordem no seu próprio salão.
E trazê-la de volta para a agenda do desenvolvimento.
Saul LeblonNo Carta Maior
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