José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo,
na última semana, que irá recorrer de sua condenação à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Dirceu foi condenado por formação de
quadrilha e corrupção ativa a dez anos e dez meses de prisão. O
ex-ministro afirma que o STF não apenas o condenou sem provas, como não
levou em contra a “contraprova” que sua defesa fez no processo. E, por
isso, promete levar o caso às cortes internacionais de Direitos
Humanos.
Um trecho do voto
do decano do Supremo, Celso de Mello, revela que o recurso a que se
refere Dirceu é possível. O voto traz a discussão travada durante o
julgamento sobre a competência dos organismos internacionais em relação
às decisões da Justiça brasileira. O debate foi provocado por uma
preliminar levantada pela defesa dos réus Breno Fischberg e Enivaldo
Quadrado. Os dois pediram a suspensão do processo alegando que o
julgamento deveria esperar o resultado da denúncia apresentada por eles à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos por cerceamento de defesa.
O pedido foi rejeitado por unanimidade e Fischberg e Quadrado, que
eram sócios da corretora Bônus Banval, foram condenados por lavagem de
dinheiro.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirma que o fato de haver um
procedimento em trâmite na comissão da OEA não impunha a suspensão do
processo. Mas foi além, e disse que o Brasil se submete, sim, por
vontade própria, às decisões da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
De acordo com o ministro, pessoas físicas ainda não têm legitimidade
para instaurar processo perante a Corte da OEA. A legitimidade se
restringe aos Estados que compõem o órgão internacional e à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão é a chave para que o
caso venha a ser julgado internacionalmente.
A Corte pode receber qualquer processo no qual a Convenção Americana de
Direitos Humanos não tenha sido respeitada — exatamente o que alegam
alguns réus. Para que o caso chegue ao tribunal internacional, os
condenados devem recorrer à Comissão Interamericana, que faz a análise
dos casos e elege quais devem ser submetidos à Corte. A Comissão
funciona, na prática, como um filtro. Já há o processo de dois réus em
análise no órgão. E Dirceu promete levar seu caso para lá.
Segundo o ministro Celso de Mello, nada impede que, esgotada a
jurisdição interna, a Comissão submeta o caso à Corte Interamericana,
“em ordem a permitir que esta exerça o controle de convencionalidade”.
No voto, o decano ressalta: “Não custa relembrar que o Brasil,
apoiando-se em soberana deliberação, submeteu-se à jurisdição
contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que
significa, considerado o formal reconhecimento, por parte de nosso
país, da competência da Corte (Decreto 4.463/2002), que o Estado
brasileiro comprometeu-se, por efeito de sua própria vontade
político-jurídica, 'a cumprir a decisão da Corte em todo caso' de que é
parte (Pacto de São José da Costa Rica, Artigo 68). ‘Pacta sunt servanda’...”.
Trocando em miúdos, o Brasil, tem, sim, de cumprir as determinações da
corte internacional. Ainda de acordo com o ministro, o Brasil não pode
justificar, com base em “regras domésticas, o inadimplemento de suas
obrigações convencionais, sob pena de cometer grave ilícito
internacional”.
Noutro trecho da discussão, que comporá o acórdão, Celso de Mello
rememora que no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso,
por meio do Decreto 4.463, 8 de novembro de 2002, o país reconheceu
como obrigatórias a jurisdição e a competência da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, “em todos os casos relativos à interpretação ou
aplicação desta Convenção (Pacto de São José da Costa Rica)”.
Segundo o ministro, esse fato “legitima o exercício, por esse
importante organismo judiciário de âmbito regional, do controle de
convencionalidade, vale dizer, da adequação e observância, por parte
dos Estados nacionais que voluntariamente se submeteram, como o Brasil,
à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana, dos princípios,
direitos e garantias fundamentais assegurados e proclamados, no
contexto do sistema interamericano, pela Convenção Americana de
Direitos Humanos”.
Clique aqui para ler o trecho do voto do ministro Celso de Mello.
Rodrigo Haidar editor da revista Consultor Jurídico
No Justiceira de Esquerda
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