Do Diário do Centro do Mundo - 14 de abril de 2013
A sociedade tem que saber o suficiente sobre a chamada Bonificação por Volume — uma arma criada por Roberto Marinho para concentrar na Globo a publicidade brasileira.
Joaquim recebe o seu prêmio
Barbosa e João Roberto Marinho num prêmio do Globo: parte da fortuna dele vem do BV
E o BV vai entrando espetacularmente nos debates em torno do Mensalão.
Há fortes indícios de que os 74 milhões de reais que foram definidos na acusação aos réus como “dinheiro público” eram, na verdade, BV pagos por uma empresa privada (Visanet) por serviços prestados por uma agência (DNA).
Num artigo nesta semana, o colunista Janio de Freitas, da Folha, escreveu sobre isso.
(…) perícia de especialistas do Banco do Brasil concluiu pela existência das comprovações necessárias de que os serviços foram prestados pela DNA. E de que foi adequado o pagamento dos R$ 73,850 milhões, feito com recursos da sociedade Visanet e não do BB, como constou. Perícia e documentos que os ministros vão encontrar em breve.
Duas coisas emergem disso tudo.
Primeiro, que é vital dar mais prazo de defesa para os réus para que os dados novos possam ser debatidos de uma maneira civilizada.
Joaquim Barbosa deve isso – o prazo – não aos réus, mas à justiça e à sociedade.
Segundo, os brasileiros devem ser inteirados do que é BV, e isso já deveria ter acontecido faz muito tempo. (Aqui, você pode encontrar informações boas e imparciais sobre o BV.)
Como escreveu Janio de Freitas, os juízes talvez ignorem o que é BV, mas os donos das empresas de mídia não.
Boa parte da fortuna pessoal deles foi erguida em cima do BV.(Grifos em verde negritado são do ContrapontoPIG)
BV são as iniciais de Bonificação por Volume. Essencialmente, quanto mais uma agência de publicidade anuncia num veículo, mais ela recebe como bônus.
Foi, como se poderia imaginar, uma invenção da Globo – mais uma, entre tantas contribuições nocivas à sociedade.
Roberto Marinho – que como mostram os documentos pessoais de Geisel no revelador livro Dossiê Geisel cobrava ‘favores especiais’ da ditadura em troca do apoio editorial que garantia na Globo – trouxe o BV, e logo foi seguido pela Abril e pelo mercado.
A sociedade não sabe, porque a mídia jamais publicou nada sobre isso, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) questiona o BV nos contratos públicos. Os técnicos do TCU entendem que o BV “tem o potencial de afetar a escolha das agências, consistindo em mecanismo que as estimula a concentrarem a publicidade em menor número de veículos”.
A invenção esperta, amoral e abjeta da Globo na década de 1960 levou exatamente a isso: uma brutal concentração de publicidade nela própria.
A Globo – e não está longe o dia em que este absurdo se colocará à sociedade com a devida clareza – tem 60% da receita publicitária do Brasil.
Isso conduziu, como se vê hoje, não apenas à riqueza desmesurada da família Marinho — mas a um monopólio de opinião que só foi rompido com a internet.
Os brasileiros sofreram, ao longo dos anos, uma brutal intoxicação das opiniões de Roberto Marinho, disfarçadas em intervenções pelo interesse público.
Graças ao BV, a receita publicitária da Globo em 2012 bateu um recorde positivo em todos os tempos ao mesmo tempo em que a audiência batia um recorde negativo.
Este contraste conta tudo.
Como em tantas coisas no Brasil, o BV floresceu na completa falta de transparência que a mídia ajudou a criar em assuntos de seu exclusivo interesse.
Não é apenas o BV. O dia em que forem devidamente publicadas as mamatas das empresas de jornalismo — o papel imune e, em pleno 2013, a reserva de mercado que coíbe a concorrência estrangeira – a sociedade vai entender por que as famílias da mídia acumularam tanto dinheiro e tanto poder.
É bem possível, como sugere Janio de Freitas, que diante de tão pouca informação sobre o BV, também os juízes do STF – incluído Joaquim Barbosa — não o conhecessem ao julgar o mensalão.
Por tudo isso é imperioso que, primeiro, seja dado o devido prazo para os recursos.
Depois, que se traga transparência a uma invenção de Roberto Marinho – o BV — que, lamentavelmente, sobreviveu a ele.
Paulo Nogueira. Jornalista baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo
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