A divulgação de um suposto papiro copta que menciona a "mulher de Jesus"
pôs mais uma vez o mundo a debater se Cristo era ou não casado. Não
tenho nada contra essa discussão, mas há uma outra, anterior, que quase
nunca é lembrada: Jesus, de fato, existiu?
É certo que, como ideia, ele é real. Em seu nome edificaram não uma, mas
centenas de igrejas. Por isso mesmo é interessante saber se à figura
mítica corresponde um personagem histórico de carne e osso.
O que salta à vista aqui é a notável ausência de documentação
contemporânea aos supostos fatos. Há quase que apenas os Evangelhos, que
tinham muito mais o objetivo de propagar a nova religião do que de
registrar eventos. Para piorar, o mais antigo dos Evangelhos canônicos, o
de Marcos, foi escrito ao menos 40 anos após a alegada crucificação, o
que significa que não pode ser considerado uma fonte primária. Os
evangelistas escreveram o que ouviram dizer, não o que testemunharam.
Há ainda umas poucas e rápidas menções a Jesus em autores não cristãos,
como Flávio Josefo, Plínio, Tácito e Suetônio. Mas eles estão ainda mais
longe dos fatos do que os evangelistas, e historiadores acreditam que
essas referências podem ter sido introduzidas por copistas.
É claro que ausência de evidências não é evidência de ausência. Um Jesus
histórico poderia perfeitamente ter existido mesmo que sua odisseia não
tivesse sido capturada pela, em geral eficaz, burocracia romana.
Karen Armstrong, no excelente "Em Defesa de Deus", mostra que, muito
mais do que o ateísmo ou o darwinismo, o que incomodou os religiosos do
fim do século 19 e início do 20 foi o advento da alta crítica, um ramo
da teologia que estudava a Bíblia e a vida de Cristo não como milagres,
mas como fenômenos literários e históricos. Para Armstrong, o
fundamentalismo cristão surgiu exatamente como uma reação a essa
dessacralização das Escrituras.
Hélio Schwartsman No Falha
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