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um incêndio atingiu ontem mais uma favela da cidade de São Paulo -
desta feita, as vítimas foram os moradores da Favela do Piolho, no
bairro do Campo Belo, na zona sul da capital, numa área que fica
próxima, bem pertinho mesmo do aeroporto de Congonhas, imponentemente
encravado em região nobre da metrópole. Em 2012, foi o trigésimo
segundo incêndio dessa natureza em São Paulo (média de quatro por mês);
já tinham sido registrados outros 79, no ano passado. Só ontem, quase
300 casas foram destruídas e mais de mil pessoas ficaram desabrigadas.
Não tenho, confesso, condições de fazer afirmações. Mas, como sugeria e
ensinava o filósofo grego Sócrates, ao reconhecer que "só sei que nada
sei", posso fazer perguntas. Questionar não ofende. E ajuda a pensar.
Minhas dúvidas:
1)
Será que a Prefeitura de São Paulo nos considera mesmo tolinhos e
imagina que vamos acreditar, num exercício de fé profunda, que os
incêndios são apenas coincidências, lamentáveis tragédias?
2)
Incêndios em favelas nessa quantidade acontecem em alguma outra cidade
do planeta? Ou São Paulo é um foco isolado, um ponto fora da curva,
uma "metrópole incendiária exclusiva"?
3) Será que apenas os moradores de favelas não sabem acender o gás ou riscar um fósforo, não sabem lidar com o fogo?
4) Por que essa mesma quantidade de incêndios não acontece em condomínios de luxo dos bairros nobres da cidade?
5)
Por que a Prefeitura paulistana, à época da administração de José
Serra, desativou o Programa de Segurança contra Incêndio, implantado
durante a gestão da prefeita Marta Suplicy e que tinha como propósito
justamente desenvolver ações de prevenção e orientação especificamente
em favelas? E por que o atual prefeito, Gilberto Kassab, não retomou o
programa?
6)
Por que os bombeiros e as demais autoridades públicas responsáveis
pelas investigações não conseguem explicar ou definir as causas e os
responsáveis pelos incêndios, com os laudos finais invariavelmente
apontando para "motivos indeterminados"?
7)
Será que o que de fato move esses incêndios é uma deliberada política
de higienização e limpeza social, destinada a expulsar os moradores das
favelas, que "enfeiam as paisagens", para aproveitar os terrenos
finalmente "limpos" para a especulação imobiliária, tornando assim a
fotografia da capital "mais bela e atraente"?
8)
Por que nenhum jornal de referência e de grande circulação faz as
perguntas que devem ser feitas, com intuito de construir a melhor
versão possível da realidade?
9)
Por que os repórteres de emissoras de rádio e de TV que transmitem
informações ao vivo sobre os incêndios (incluindo os repórteres aéreos)
parecem sempre mais preocupados com os reflexos dos incêndios sobre o
trânsito, em apontar rotas alternativas para os motoristas, do que em
dedicar atenção às vítimas das tragédias (muitas fatais) ou à
destruição de casas e de sonhos?
10)
Por que nos acostumamos aos incêndios nas favelas e passamos a
considerá-los algo "natural, normal", como se já fizessem parte da
paisagem urbana e do cotidiano da metrópole, aceitando resignadamente a
banalização da tragédia e da violência? Em que lugar do passado ficou
perdida nossa capacidade de indignação e de reação?
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