Certamente com toda a boa vontade do mundo, o Tribunal Superior
Eleitoral está veiculando uma campanha sobre “voto limpo” na mídia.
Não é a primeira e não será a última que o Tribunal promove antes de uma
eleição. Parece entender que faz parte de sua missão a tarefa de,
nessas horas, ensinar o cidadão a votar “certo”.
A atual campanha é de abrangência nacional e está sendo desenvolvida em
grande estilo. São 9 filmes de produção caprichada, com veiculação
intensa. Difícil que alguém que ouça rádio ou veja televisão não tenha
sido exposto a alguma peça.
É daquelas iniciativas em que, aparentemente, todos ganham.
O Tribunal, por cumprir um papel pedagógico contra o qual ninguém se
insurgiria. Quem acharia errado que promovesse a educação cívica do
povo? Logo o nosso, famoso por sua incapacidade de “votar direito”.
Os veículos de comunicação, porque abatem os impostos que devem ao
Fisco, em ressarcimento pelo tempo que são obrigados a destinar à
campanha. É um bom negócio para as emissoras, pois cobram o “preço
cheio”, sem os descontos e bonificações de volume que concedem aos
anunciantes privados.
Também ficam felizes os profissionais e empresas pagos para planejar,
criar e produzir os filmes e spots. Sem os orçamentos limitados das
campanhas que vendem habitualmente, faturam alto e ainda têm ampla
liberdade para trabalhar.
E o eleitor? Ganha alguma coisa com isso?
A primeira peça da campanha mostra um mecânico enquanto tira graxa dos
dedos – em alusão óbvia às “mãos limpas”. O texto em off ensina que
“existem políticos bem-intencionados” e que é possível encontrá-los
pesquisando seu passado e vendo se “suas propostas vão trazer benefícios
para nós”.
De truísmo em truísmo, chega ao maior: “Voto não tem preço; voto tem consequência”. Alguém não sabia?
Na segunda, temos um palhaço que tira a maquiagem ouvindo uma locução
que conta histórias de escassa base factual. Que o “voto é um direito
conquistado depois de muitas lutas (quais?) de nossa sociedade” e que a
Lei da Ficha Limpa é seu capítulo mais recente.
Conclui com uma declaração enigmática: “A Lei da Ficha Limpa é o eleitor de cara nova” (seja lá o que isso signifique).
O terceiro é o mais extraordinário. Nele, uma jovem segura um troféu e o
texto diz: “Quando a gente vota, a gente coloca o nosso futuro (...)
nas mãos de alguém (...) e tudo que ele fizer em nosso beneficio vai
tornar nossa vida melhor”. Daí o troféu: “(...) é o prêmio de quem vota
limpo”.
Deixando de lado as admoestações triviais e a descabida glorificação da
Lei da Ficha Limpa, o que a campanha faz é apresentar o voto de maneira
que pode ser tudo, menos consensual.
Como no filme que ensina a mecânica da votação: “Não tem mistério. Você
digita cinco números e vota para vereador. Apareceu a foto? É ele?
Confirma!”. Para prefeito, fazer o mesmo, e “para votar em branco, use a
tecla branca e confirme” (sem mencionar que existe voto nulo).
Tudo parece natural e apenas educativo. Mas não é.
Os responsáveis pela campanha têm uma visão muito particular do que seja
o voto, concebendo-o como algo estritamente individual, em que se
contrapõem eleitor e candidato sem qualquer mediação.
Onde estão os partidos políticos? Em nenhum momento aparecem, sequer no
filme que “ensina” a votar, mas se esquece que existe o voto partidário.
Acreditam que a escolha é ditada pela conveniência, em uma relação de
troca: o cidadão vota, o eleito concede “benefícios”. Acham que o voto é
instrumental. E querem que todos pensem assim.
Por acaso o voto ideológico ou de convicção seria menos recomendável que o pragmático e utilitário?
No fundo, como ninguém sabe o que é certo ou errado nessa matéria,
melhor é não ter a pretensão de querer ensinar. Boas intenções produzem,
às vezes, maus resultados.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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