Até o momento me abstive de comentar o julgamento do Mensalão.
Muito já foi dito sobre o tema e novos comentários só terão sentido
após a publicação do acórdão e o exame mais detalhado das razões de
decidir de nossa Suprema Corte.
Mas se fazem necessárias algumas considerações sobre os julgamentos do STF após o mensalão.
A intensa polêmica que envolveu este julgamento trouxe, uma vez
passada a cobertura midiática que sem dúvida não teve paralelo na
história mundial, toda uma série de contestações que põem em xeque a
qualidade mesma do julgamento. Raimundo Pereira , um dos mais notáveis
jornalistas do Brasil impugnou a existência de dinheiro público no
esquema com farta documentação e não foi contestado. Paulo Moreira
Leite apontou em livro best-seller diversas inconsistências e
não foi respondido. O professor de Direito Alaor Leite, em conferência
na FGV, criticou a aplicação da hoje famosa “teoria do domínio do fato”
em crimes do grupo de delitos de dever, como é a corrupção, e não foi
contrariado.
É claro que “juiz fala nos autos” (ou pelo menos deveria ser assim….) e
justamente se aguarda a publicação do acórdão para ver as
justificativas do STF quanto a estas impugnações jurídicas. Mas
enquanto este não é publicado, no lento tramitar de nosso Judiciário, o
STF tem tirado do armário julgamentos que aguardavam há bastante tempo
e parece que tem buscado manter a empatia com a opinião pública
decidindo pela tese que é mais simpática no Ibope…
São os melhores exemplos recentes a ADIN da Emenda 62, a PEC do Calote,
relativa ao pagamento dos precatórios e o Recurso Extraordinário que
tratava da obrigatoriedade das estatais justificarem os atos de
demissão de seus empregados. Ambas as teses vencedoras são altamente
simpáticas, seja a defesa das “velhinhas tricoteiras”, credoras dos
precatórios, seja a garantia do emprego dos funcionários que fizeram
concurso público para entrar nas estatais. A opinião pública aplaude e o
Bonner dá a notícia com um belo e amplo sorriso no Jornal Nacional.
Mas será mera coincidência que ambos eram processos que se arrastavam
há anos , com seguidos pedidos de vista, e foram trazidos à pauta de
uma hora para outra ? Será mera coincidência que foram agora julgados
numa só sessão, sem novas interrupções , como seria , feliz ou
infelizmente, o normal em julgamentos tão complexos e com tantas
conseqüências para o país?
Aliás, examinando estes casos ora em concreto, não restem dúvidas de
que o STF acertou ao exigir que as estatais e sociedades de economia
mista sejam obrigadas a motivar os atos de demissão de seus empregados
que fizeram concurso público para serem admitidos. Ao permitir a “
despedida imotivada” nestes casos, autoriza-se o administrador público a
agir de forma que na prática frauda a seleção pública e lhe concede um
poder de escolher quem trabalha na empresa .
Mas em relação à Emenda Constitucional nº 62, a decisão do STF criou
uma situação gravíssima. A Emenda permitiu o avanço dos pagamentos dos
precatórios nos últimos anos, já que vinculou um determinado percentual
do orçamento ( entre 1 e 2% da receita corrente líquida) ao seu
pagamento. Poderia ser lento, mas vinha sendo pago. Agora, voltamos ao
estágio anterior. A obrigação é “pagar no próximo orçamento” : 87
bilhões? Com que dinheiro? Mas nem um só centavo é vinculado a este
pagamento, chancelando, na verdade, a inadimplência. Teria feito melhor
o Supremo se pensasse mais um pouco, se tivesse mais uns dois pedidos
de vista para refletir…
Decidir pela tese mais simpática não significa, a priori,
decidir certo ou errado. Mas pode uma Corte Suprema de Justiça, que é a
guardiã da Constituição num pais, ter esta motivação para decidir?
O mensalão colocou o STF na roda viva da opinião pública, da
opinião publicada, dos editoriais de jornal, das demonstrações nas
ruas. É da vida, é da política, dirão alguns, mas se o sorriso do
Bonner passar a pautar o Supremo…
Antônio Escosteguy CastroNo Sul21
Também do Blog COM TEXTO LIVRE.
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