Uma entrevista à revista Época mostra uma mente desconectada inteiramente da realidade.
No Diário do Centro do Mundo
I rest my case, como o detetive particular Philip Marlowe disse num romance de Raymond Chandler.
Desisto.
Desisto da possibilidade de que FHC e o PSDB se reconectem com a realidade.
A entrevista que FHC concedeu esta semana à revista Época revela um caso perdido.
Os entrevistadores poderiam ter exigido mais dele? Acho que sim. Mas a
minha impressão, ao terminar a leitura, é que o entrevistado não tinha
nada mais a dar.
Essencialmente, FHC vive num mundo que já não existe. É como se ele,
200 anos atrás, falasse de Versalhes e da corte dos Bourbons, e não da
Marselhesa, de Napoleão e de Robespierre.
O modelo de FHC é, ainda, os Estados Unidos, isso quando os americanos
vivem um declínio sem precedentes em todos os aspectos – econômico,
financeiro, militar, corporativo e moral.
Pior: as loas aos Estados Unidos aparecem na mesma semana em que se completam dez anos da invasão do Iraque.
O mundo vai ficando, você percebe pela cobertura dos dez anos, com o
mesmo sentimento de culpa parecido com o que emergiu pós-segunda guerra
em relação aos judeus: como nós pudemos deixar isso acontecer?
Um país destruído, milhares de crianças mortas mortas por bombas ou por
falta de medicamento, casos crescentes de má formação congênita em
bebês como efeito colateral – e todo esse martírio com base em
informações comprovadamente mentirosas segundo as quais o Iraque tinha
armas de alto poder destrutivo.
Não tinha, e mesmo ali, no fragor da decisão de invadir, os serviços de
inteligência dos Estados Unidos e da Inglaterra – as duas potências
que comandaram o extermínio dos iraquianos – tinham já dados que
colocavam sob imensa dúvida a existência de tais armas.
Ainda nestes dias, um veterano americano tornado inválido no Iraque
também comoveu o mundo ao anunciar o suicídio: uma bala lhe tirou todos os movimentos.
E FHC evoca os Estados Unidos, o exaurido, sinistro modelo americano
que levou destruição a virtualmente todas as partes até que não restasse
outra vítima que não eles mesmos.
É só ver o que o modelo americano está fazendo, hoje, dentro dos
próprios Estados Unidos: as neofavelas (acampamentos precários de gente
que perdeu a casa), o desemprego, as constantes chacinas de
desequilibrados armados porque a indústria das armas alimentada a
paranoia de que sem revólveres ou rifles você está perdidamente
desprotegido.
O mundo fala em desigualdade social, do novo papa ao novo presidente da
China. O mundo entende que reduzi-la é fundamental para o futuro da
humanidade.
E FHC fala com enlevo do país que disseminou as bases do 1% versus 99%,
a pátria em que um candidato à presidência foi pilhado falando que não
liga para metade da população – 47% — porque são pobres.
Fala ainda em “sentimento mudancista”, mas não em relação ao universo e
sim a um ambiente interno que traria as sementes do triunfo de Aécio 10% Neves em 2014.
I rest my case.
Paulo NogueiraNo Diário do Centro do Mundo
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