A mídia na ditadura
Mauricio Dias
Mauricio Dias
Falta um tema na variada agenda da Comissão Nacional da Verdade. Criada
com a finalidade de apurar as violações dos direitos humanos, ela não
incluiu na pauta de trabalho a análise do papel da imprensa, como é
feito com a Igreja, por exemplo, durante a ditadura, articulada e
sustentada por civis e militares.
A imprensa foi arauto da trama golpista contra o presidente João
Goulart. Sempre conservadores, os “barões da mídia” brasileira agem na
fronteira do reacionarismo. Apoiar golpes, por isso, não chega a ser
exatamente novidade. Alardeiam o princípio do liberalismo sem, no
entanto, se comprometer com a democracia. Assim promovem feitiços, como o
de 1964, e tornam a própria imprensa vítima da feitiçaria.
Patrões e empregados são testemunhas importantes de uma história que
precisa ser passada a limpo. É necessário ir além do que já se sabe.
Isso só ocorrerá com o depoimento daqueles que viveram os episódios ou
estiverem próximos deles.
A ditadura “exerceu o terror de Estado e provocou medo na sociedade
civil. Não há indícios, porém, de que o medo fosse a razão do
consentimento” que a imprensa deu aos generais, como anota a cientista
política Anne-Marie Smith, no livro Um Acordo Forçado.
Ela põe o dedo na ferida ainda aberta: “E se outros jornais tivessem
protestado quando o general Abreu proibiu qualquer publicidade do
governo no Jornal do Brasil em 1978?” E se aproxima da resposta:
“Os obstáculos à solidariedade não foram criados, nem reforçados, nem
explorados pelo regime. A falta de solidariedade foi uma desvantagem
gerada pela própria imprensa”.
No governo Geisel, o ministro das Comunicações, Euclides Quandt de
Oliveira, vetou novas concessões ao nascente Sistema Globo por receio de
que Roberto Marinho chegasse ao monopólio da opinião pública. Ele então
foi ao ministro da Justiça, Armando Falcão, e falou “do constante
apoio” que deu ao governo.
“Disse também que o comportamento da Rede Globo deveria fazê-la
merecedora de atenção e favores especiais do governo”, registra o livro.
Marinho apelou sem constrangimentos. Ameaçou vender a Rede Globo, caso
não tivesse apoio para continuar a crescer. O resto da história todo
mundo sabe.
A mídia reage, hoje, ao projeto sobre a -atualização das leis de
comunicação com o argumento falso e insensato de que o objetivo é
censurar. No entanto, em plena ditadura, adotou a inércia e o silêncio
diante dos atos concretos de restrição à liberdade de escrever. Não de
escrever sobre tudo, mas somente sobre certos assuntos como tortura e
assassinato nos porões da ditadura. Essa é a diferença em relação à
genérica denúncia de restrição à festejada liberdade de imprensa.
A censura, nesse contexto, cumpria outro papel. Excluía a
responsabilidade direta dos donos da mídia e de muitos editores
autoritários coniventes, que sempre se desculparam ao apontar a censura
governamental como a razão do silêncio.
A ditadura seria outra – talvez ditabranda – contada a partir do que foi publicado na ocasião.
Para a imprensa conservadora, reacionária nos anos de chumbo, esse tema dói. É um nervo exposto.
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