Brasil 247
Em entrevista a Renato Dias, o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, criador do Movimento e hoje dono da revista Retrato do Brasil, explica por que, na sua visão, o ex-ministro da Casa Civil está sendo injustiçado; segundo ele, houve uma interpretação oportunista da teoria de Domínio do Fato pelo STF; "Do que ele é acusado na AP 470, de comandar uma quadrilha que desviou dinheiro público para comprar deputados, eu não tenho dúvidas de que ele é inocente"; Raimundo Pereira diz ainda que não houve pagamento mensal a deputados da base aliada, garante a inexistência de dinheiro público nas movimentações e confirma Caixa 2.
Em entrevista a Renato Dias, o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, criador do Movimento e hoje dono da revista Retrato do Brasil, explica por que, na sua visão, o ex-ministro da Casa Civil está sendo injustiçado; segundo ele, houve uma interpretação oportunista da teoria de Domínio do Fato pelo STF; "Do que ele é acusado na AP 470, de comandar uma quadrilha que desviou dinheiro público para comprar deputados, eu não tenho dúvidas de que ele é inocente"; Raimundo Pereira diz ainda que não houve pagamento mensal a deputados da base aliada, garante a inexistência de dinheiro público nas movimentações e confirma Caixa 2.
Por Renato Dias, do Diário da Manhã
Não há, nos autos da AP 470, provas da existência de pagamento mensal a
deputados federais da base aliada ao Palácio do Planalto. É o que
afirma, com exclusividade ao Diário da Manhã, o jornalista Raimundo
Rodrigues Pereira, autor de A Outra Tese do Mensalão (2012), Editora
Manifesto.
Aos 72 anos, com 48 de profissão, Raimundo Rodrigues Pereira construiu sólida reputação no jornalismo. É fundador de "Opinião" (1972-1977) e de "Movimento"
(1975-1981), semanários de resistência à ditadura civil e militar
(1964-1985). Um virginiano que diz não se importar em ser chamado de
marxista.
Nos anos de chumbo, uma reportagem de sua autoria denunciou as graves
violações dos direitos humanos que encharcavam de sangue os porões do
regime civil e militar. Em "Veja", no ano de 1969, revelou as torturas a
presos políticos. Com Mino Carta, então editor-chefe da revista da
Abril.
Mensalão
Segundo ele, um estudo feito com as datas de entrada de dinheiro do
valerioduto nas contas de parlamentares ou de seus prepostos mostra não
haver qualquer relação com as votações das emendas cujos resultados
teriam sido comprados. "O que houve foi acerto financeiro para pagamento
de campanhas eleitorais", frisa.
"Duda Mendonça que, todo mundo sabe, recebeu mais de 10 milhões de reais
pelas campanhas que fez para o PT. Roberto Jefferson, o autor da
denúncia do mensalão, diz que recebeu do valerioduto 4 milhões para
pagar despesas de campanha exatamente graças ao acordo que fez com o
PT", analisa.
Ele garante que não ocorreu desvio de recursos públicos do Banco do
Brasil, como apontou o STF. "Não houve o crime básico que ela supõe, o
desvio de dinheiro do BB, repassado para gastos do banco, seja de que
forma, pelo Fundo de Incentivos Visanet, para a publicidade da venda de
cartões de bandeira Visa".
Raimundão, como é chamado, conta que houve uma interpretação oportunista
da teoria de Domínio do Fato. "Mas, volto ao ponto: o problema da AP
470 não é este. Não se está, por exemplo, acusando José Dirceu de saber
que o PT repassava dinheiro para Duda Mendonça, para o PL de Costa Neto,
para o PTB de Jefferson".
O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu é inocente, dispara o
editor de Retrato do Brasil, revista nacional de circulação mensal. "Do
que ele é acusado na AP 470, de comandar uma quadrilha que desviou
dinheiro público para comprar deputados, eu não tenho dúvidas de que ele
é inocente".
Leia a íntegra da entrevista:
Diário da Manhã - O mensalão, pagamento regular, mensal, de mesada aos deputados federais da base aliada existiu?
Raimundo Rodrigues Pereira – Nos autos da AP 470 não há qualquer
prova disso. Ao contrário, na defesa do deputado José Genoíno existe uma
ampla lista de depoimentos em contrário e um estudo feito com as datas
de entrada de dinheiro do valerioduto nas contas de parlamentares ou de
seus prepostos mostra não haver qualquer relação com as votações das
emendas cujos resultados teriam sido comprados.
Houve dinheiro público nas movimentações financeiras?
Raimundo Rodrigues Pereira – Há, como dizemos na revista especial sobre o mensalão e
nas duas grandes matérias que fizemos sobre as auditorias feitas no
Banco do Brasil, provas de que o dinheiro da Visanet para ações de
publicidade feitas pela empresa DNA a pedido do BB não era contabilizado
de acordo com as regras do banco para a sua própria publicidade. Mas,
como explicamos, isso decorria de decisão de 2001, que não tem nada a
ver com o mensalão, mas se referia às conveniências da CBMP – Companhia
Brasileira de Meios de Pagamento -, o nome real da Visanet, que agregava
num só propósito, o de vender cartões de bandeira Visa, concorrentes
poderosos – como Bradesco e BB – que tinham interesses conflitantes. Por
esse motivo, por decisão do BB e da CMPB em 2001, no governo FHC,
portanto – não havia contrato assinado entre CBMP, BB e DNA. De outra
parte, como mostramos, nas milhares de páginas das auditorias do BB que
estão nos autos da AP 470 existe uma multidão de indícios de que os
serviços de publicidade da DNA, para o BB, com o dinheiro da Visanet
foram realizados. Você acha, nos autos, por exemplo, dezenas e dezenas
de páginas de empresas que contabilizam a quantidade de vezes que um
anúncio para a venda de cartões de bandeira Visa pelo BB foi veiculado
nestas tevês de aeroportos ou foi mostrado nesta ou naquela cobertura de
ponto de ônibus, nesta ou naquela rua, desta ou daquela cidade.
Não se trata de pagamento de despesas e acertos de campanhas?
Raimundo Rodrigues Pereira – Há inúmeras provas nos autos de que
foi isso que aconteceu. O maior dos recebedores de dinheiro do
valerioduto, por exemplo, foi o Duda Mendonça que, todo mundo sabe,
recebeu mais de 10 milhões de reais pelas campanhas que fez para o PT. O
Roberto Jefferson, o autor da denuncia do mensalão, diz que recebeu do
valerioduto 4 milhões de reais para pagar despesas de campanha
exatamente graças ao acordo que fez com o PT. O então vice-presidente da
República, José de Alencar, disse em depoimento que negociou com o PT o
pagamento de dinheiro para seu partido, PL , e nos autos estão as
declarações de Valdemar Costa Neto, desse partido, de que recebeu o
dinheiro em função desse acordo.
Qual é a prova do erro do STF apontada por Retrato do Brasil?
Raimundo Rodrigues Pereira – Nós mostramos uma lista da CMPB (Visanet)
feita para ser entregue à Receita Federal, por seus advogados, mostrando
que todos os serviços da DNA ao BB com os 73,8 milhões supostamente
desviados do banco tinham sido realizados e que a companhia tinha os
recibos e provas materiais de que os serviços tinham sido feitos. Como o
desvio deste dinheiro era a prova básica da existência do mensalão, o
pilar da tese do mensalão é falso. A acusação, a Procuradoria Geral da
República, e o relator da AP 470, tentaram mostrar que não existiam os
empréstimos tomados dos bancos Rural e BMG e repassados ao PT por uma
das agências com vínculos a Marcos Valério, a SMP&B. Para a PGR e o
relator os empréstimos eram falsos, tinham sido inventados para
disfarçar sua origem, de dinheiro desviado do BB. Esse era o "grande
crime da história da República". Uma quadrilha chefiada por José Dirceu,
graças a seu grande poder, tinha desviado dinheiro público para comprar
votos. Mas o desvio não existe. Há provas amplas de que ele não existe.
O dinheiro da Visanet não é público?
Raimundo Rodrigues Pereira – O dinheiro da Visanet nem passava
pelas contas do BB. Mas o problema não é esse. O problema da AP 470 é
que não houve o crime básico que ela supõe, o desvio de dinheiro do BB,
repassado para gastos do banco, seja de que forma, pelo Fundo de
Incentivos Visanet, para a publicidade da venda de cartões de bandeira
Visa.
Os empréstimos bancários ocorreram?
Raimundo Rodrigues Pereira – Eles foram todos contabilizados pela
SMP&B e pelo Banco Rural. A PF ouviu todos os que receberam o
dinheiro, graças a essas listas e aos depoimentos de Marcos Valério e de
Delúbio Soares que, são, essencialmente, coincidentes nesse ponto.
O crime seria, então, qual? Caixa dois?
Raimundo Rodrigues Pereira – Do que está nos autos está claro que
foi. O problema é que a procuradoria e as forças políticas dominantes
no Congresso naquela época da criação do mensalão, como dizemos, se
voltaram para atacar uma ala do PT e enfraquecer o governo Lula.
Qual a sua crítica sobre a utilização da teoria de Domínio do fato no episódio?
Raimundo Rodrigues Pereira – Acho que foi uma utilização
oportunista. É óbvio que quem é chefe de uma organização com grandes
poderes tem sempre alguma responsabilidade com os malfeitos dessa
organização. Mas, volto ao ponto: o problema da AP 470 não é este. Não
se está, por exemplo, acusando José Dirceu de saber que o PT repassava
dinheiro para Duda Mendonça, para o PL de Costa Neto, para o PTB de
Jefferson. Qualquer criança após um mínimo de informações, deduziria que
Dirceu deveria ser responsabilizado de alguma forma pelo caixa dois do
PT. Mas não é disso que se trata.
José Dirceu não tinha ascendência sobre José Genoíno, Delúbio Soares e Marcos Valério?
Raimundo Rodrigues Pereira – Conheço razoavelmente o PT. E o seu
grande defeito é ser um partido de facções. Do que sei e de depoimentos
indiretos que colhi, junto ao próprio presidente Lula, na época, Delúbio
Soares – pessoa pela qual, aliás, tenho grande respeito, tendo em vista
sua militância, sua coragem e firmeza demonstrada nessa história - era
mais ligado ao presidente do que ao seu chefe da Casa Civil.
O mensalão teria sido um "julgamento de exceção"?
Raimundo Rodrigues Pereira – Meu qualificativo é outro. Foi um
julgamento medieval. Naqueles tempos não se precisava, primeiro, provar o
crime, e só depois ir em busca dos possíveis culpados. Se pegava a
bruxa e se torturava, para que ela confessasse os crimes que teria
cometido. Se ela não confessasse nenhum crime depois de torturada, como
disse num de seus livros o irônico cientista Carl Sagan, aí sim é que
estavam provadas suas infames práticas, pois só quem tivesse um pacto
com demônio teria aquele tipo de resistência. A procuradoria e o
ministro Barbosa esqueceram o princípio básico que separou a justiça
medieval da Justiça surgida do Iluminismo: provar a materialidade do
crime em primeiro lugar. No caso, provar o desvio de dinheiro do BB.
À sentença cabem recurso e embargos declaratórios?
Raimundo Rodrigues Pereira – Não sou jurista para responder sobre
aspectos formais dos recursos. Mas, acho que algum tipo de revisão
dessa sentença tem de ser possível.
Condenado, José Dirceu tem mais onde recorrer?
Raimundo Rodrigues Pereira – Acredito que sim.
É possível acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Raimundo Rodrigues Pereira – Há muita gente dizendo que sim.
Não seria necessário um duplo grau de jurisdição para José Dirceu?
Raimundo Rodrigues Pereira – Foi o que defenderam vários
advogados no julgamento, como o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos. Foi
essa também a opinião do ministro revisor e do ministro Marco Aurélio.
Qual o comportamento da mídia na cobertura do caso?
Raimundo Rodrigues Pereira – O dos grandes jornais e revistas
conservadores foi muito ruim. Como disse um de seus destacados
colunistas no início de 2012: o Supremo deveria julgar a AP 470 "com a
faca no pescoço". A faca era e foi essa mídia.
José Dirceu é inocente?
Raimundo Rodrigues Pereira – Do que ele é acusado na AP 470, de
comandar uma quadrilha que desviou dinheiro público para comprar
deputados, eu não tenho dúvidas de que ele é inocente.
Qual a sua análise sobre a abertura de investigação da suposta participação de Lula?
Raimundo Rodrigues Pereira – Na edição com que celebrou a
condenação de José Dirceu como chefe de quadrilha, no final do ano
passado, a revista Veja como que cobrou da oposição que ela agora
deveria ir atrás de Lula, coisa que não teria feito em 2005 por
covardia.
Em resumo, o que traz de revelação a edição especial de Retrato do Brasil, de abril, sobre o escândalo?
Raimundo Rodrigues Pereira – Nós trabalhamos muito na
investigação do mensalão, a Lia Imanishi que começou a investigação, no
segundo semestre de 2011, dirigida por nosso editor, Armando Sartori, e
depois eu pessoalmente, também, já no segundo semestre de 2012, também
como repórter. Como se diz, nós ralamos muito até descobrir o que era
mesmo a história que estávamos investigando. A chave foi a localização
do Sávio Lobato, advogado de Henrique Pizzolato, em Brasília. Pizzolato
era o elo fraco da corrente de defesa dos petistas. Ele tinha sido
abandonado por grande parte dos companheiros. Quando ouvimos
pacientemente o Sávio e depois o Pizzolato, por muitas e muitas horas,
quando descobrimos, inclusive, o trabalho da companheira de Pizzolato,
Andrea, que conhece os autos mais do que ninguém, descobrimos a
falsidade da acusação do desvio de dinheiro público.
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