.
Tijolaço - 17 de março de 2014 | 17:01Autor Fernando Brito
A minha profissão, em alguns veículos de comunicação, tornou-se algo nojento.
Porque há “jornalistas” que se prestam ao papel de carcereiros sádicos.
E, para que não pese apenas sobre eles, também doutos promotores do Ministério Público Federal tornaram-se “fiscais de latrina”.
Na esteira de imundície feita na Veja, que “denunciou” que José Dirceu tem o “privilégio” de poder usar um vaso sanitário, agora é O Globo que difunde uma história pateticamente imunda.
É a do “banheiro de luxo” que estaria sendo construído na Papuda para atender às necessidades de José Dirceu.
A história é toda uma intriga porca.
Ano passado, o próprio MP exigiu da administração penitenciária que a área do arquivo do órgão fosse transformada em celas, pela precariedade da prisão.
Depois de tentar preservar seu arquivo, a Secretaria Penitenciária comunicou, em janeiro deste ano, que estava fazendo as obras solicitadas.
Mas agora, segundo o jornal, o MP “descobriu” em 21 de fevereiro, que estaria sendo feita a tal “ala de luxo”, onde se supõe que iria servir a Dirceu como cela.
E, entre os absurdos da matéria, há a denúncia do “imperial” banheiro que você vê na foto, que estaria em desacordo com as normas penais, entre outras coisas, por ter um vaso sanitário elevado e “privativo”, o que seria proibido.
O repórter que escreveu a matéria, se tive algum interesse em ser equilibrado, perguntaria: “que norma é essa?”.
Não existe tal norma, a norma existente (que pode ser baixada aqui) diz o contrário: que cada cela, individual ou coletiva, deve ter banheiro próprio, assim como lavatório, podendo ter ou não chuveiro exclusivo, no caso de cela masculina, enquanto no feminino é obrigatório que seja assim.
É triste que um profissional de imprensa e um promotor de Justiça transformem em “escândalo” haver um vaso sanitário para um ser humano que está confinado.
E, pior, que faça uma exploração por isso estar num setor prisional de regime fechado, onde Dirceu, condenado ao semi-aberto, não estaria se a Vara de Execuções Penais, inspirada nas orientações de Joaquim Barbosa, não estivesse procrastinando a autorização para que ele trabalhe fora do presídio.
Quando o ex-governador José Roberto Arruda esteve preso, seu advogado denunciou que ele estava numa “masmorra”.
A Polícia Federal enviou fotos da cela ao MP, que as divulgou.
Nela, havia, “ uma mesa, uma cadeira, um beliche, um sofá, um frigobar, um armário e ar-condicionado”.
Nem o MP, nem a Veja, nem O Globo fizeram disso um escândalo.
Mas e Dirceu tivesse metade do que tinha Arruda, estariam dizendo que ele ficava em “uma cela-palácio, nababesca”.
Sinceramente, tenho vergonha de estar escrevendo sobre isso, mesmo que seja para defender os valores mínimos da dignidade humana.
Envergonha-me ver que o jornalismo e o Ministério Público se prestam a este papel de fiscais de latrina.
Perdoe-me, só o faço por nojo de algo muito mais sujo: o ódio insano e desumano que leva pessoas a isso.
PS. A propósito, transcrevo trecho do sadio artigo de Ricardo Mello, hoje, na Folha, onde a exploração sórdida daVeja é também esmiuçada.
O linchamento de José Dirceu
Ricardo Mello
É difícil encarar com naturalidade a cobertura dispensada a presos do chamado mensalão
Irritados com o que consideram manipulação da mídia, vários
interlocutores afirmam ter deixado de ler a publicação x ou y. Trata-se
de um luxo vedado a jornalistas. Concordando ou discordando, somos
permanentemente obrigados a passar os olhos, que seja, pelo maior número
possível de publicações. Até para poder comentar, criticar, elogiar ou
simplesmente nos informar.Ainda assim, é difícil encarar com naturalidade a cobertura dispensada a presos do chamado mensalão. Sim, é dela mesma que eu falo: da reportagem de capa da revista de maior circulação nacional sobre a vida na cadeia do ex-ministro José Dirceu e outros condenados.
Com um tom acusatório, a revista brinda os seus leitores com frases do tipo: “Lá ele [José Dirceu] gasta o tempo em animadas conversas, especialmente com seus companheiros do mensalão [....] só interrompe as sessões de leitura para receber visitas, muitas delas fora do horário regulamentar e sem registro oficial algum, e para fazer suas refeições, especialmente preparadas para ele e os comparsas. “O cardápio? Aqui já teve até picanha e peixada feitas exclusivamente para eles’, conta um servidor”.
A lista de pretensas mordomias não tem fim, bem como o ridículo da reportagem. “Como o lugar fica longe dos olhos dos presos comuns, os mensaleiros podem desfrutar o tratamento especial sem que seus colegas de prisão reclamem. Dentro da cela, já foram recolhidos restos de lanche do McDonald’s”. Não, não escrevi errado. A transcrição está exata. Prova do tratamento diferenciado, especial, transgressor, ilegal dos presos estão “restos de lanche do McDonald’s”!
A coisa não fica por aí. “No banheiro, em vez da latrina encravada no chão, que os detentos chamam de boi’, há um civilizado vaso sanitário.” A reportagem não esclarece se entre os privilégios está o uso de papel higiênico. Mas Dirceu não é o único alvo. Sobra também para o ex-deputado petista José Genoino. “Numa conversa entreouvida por um servidor, um médico que atendia Genoino revelou ter escutado do próprio petista a admissão de que deixara de tomar alguns remédios para provocar uma arritmia cardíaca e, assim, poder pleitear a prisão domiciliar.”
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário