Inês Nassif: 2012 é o ano da Privataria
Saiu na
Carta Maior :
A imprensa estará muito menos disposta a
comprar uma briga durante a CPI da Privataria – quer porque ela começa
questionando a lisura de aliados sólidos da mídia hegemônica em 1994,
1998, 2002, 2006 e 2010, quer porque esse tema é uma caixinha de
surpresas.
Maria Inês Nassif
Em 2005, quando começaram a
aparecer resultados da política de compensação de renda do governo de
Luiz Inácio Lula da Silva – a melhoria na distribuição de renda e o
avanço do eleitorado “lulista” nas populações mais pobres, antes
facilmente capturáveis pelo voto conservador –, eles eram mensuráveis.
Renda é renda, voto é voto. Isso permitia a antevisão da mudança que se
prenunciava. Tinha o rosto de uma política, de pessoas que ascendiam ao
mercado de consumo e da decadência das elites políticas tradicionais em
redutos de votos “do atraso”. Um balanço do que foi 2011, pela profusão
de caminhos e possibilidades que se abriram, torna menos óbvia a
sensação de que o mundo caminha, e o Brasil caminha também, e até
melhor. O país está andando com relativa desenvoltura. Não que vá chegar
ao que era (no passado) o Primeiro Mundo num passe de mágicas, mas com
certeza a algo melhor do que as experiências que acumulou ao longo da
sua pobre história.
O perfil político do governo Dilma é
mais difuso, mas não se pode negar que tenha estilo próprio, e sorte.
As ofensivas da mídia tradicional contra o seu ministério permitirão a
ela, no próximo ano, fazer um gabinete como credora de praticamente
todos os partidos da coalizão governamental. No início do governo, os
partidos tinham teoricamente poder sobre ela, uma presidenta que chegou
ao Planalto sem fazer vestibular em outras eleições. Na reforma
ministerial, ela passa a ter maior poder de impor nomes do que os
partidos aliados, inclusive o PT. Do ponto de vista da eficiência da
máquina pública – e este é o perfil da presidenta – ela ganha muito num
ano em que os partidos estarão mais ocupados com as questões municipais e
em que o governo federal precisa agilidade para recuperar o ritmo de
crescimento e fazer as obras para a Copa do Mundo.
Sorte ou arte, o distanciamento de
Dilma das denúncias contra os seus ministros, o fato de não segurar
ninguém e, especialmente, seu estilo de manter o pé no acelerador das
políticas públicas independentemente se o ministro da pasta é o
candidato a ser derrubado pela imprensa, não a contaminaram com os
malfeitos atribuídos a subalternos. Prova é a popularidade registrada no
último mês do ano.
Mais sorte que arte, a reforma
ministerial começa no momento em que a grande mídia, que derrubou um a
um sete ministros de Dilma, se meteu na enrascada de lidar com muito
pouca arte no episódio do livro “A Privataria Tucana”, do jornalista
Amaury Ribeiro Jr. Passou recibo numa denúncia fundamentada e grave.
Envolve venda (ou doação) do patrimônio público, lavagem de dinheiro –
e, na prática, a arrogância de um projeto político que, fundamentado na
ideia de redução do Estado, incorporou como estratégia a “construção” de
uma “burguesia moderna”, escolhida a dedo por uma elite iluminada, e
tecida especialmente para redimir o país da velha oligarquia, mas em
aliança com ela própria. Os beneficiários foram os salvadores liberais,
príncipes da nova era. O livro “Cabeças de Planilha”, de Luís Nassif, e o
de Amaury, são complementares. O ciclo brasileiro do neoliberalismo
tucano é desvendado em dois volumes “malditos” pela grande imprensa e
provado por muitas novas fortunas. Na teoria. Na prática, isso é apenas a
ponta do iceberg, como disse Ribeiro Jr. no debate de ontem (20),
realizado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, no Sindicato dos
Bancários: se o “Privataria” virar CPI, José Serra, família e amigos
serão apenas o começo.
A “Privataria” tem muito a ver com a
conjuntura e com o esporte preferido da imprensa este ano, o “ministro
no alvo”. Até a edição do livro, a imprensa mantinha o seu poder de
agendamento e derrubava ministros por quilo; Dilma fingia indiferença e
dava a cabeça do escolhido. A grande mídia exultou de poder: depois de
derrubar um presidente, nos anos 90, passou a definir gabinetes, em
2011, sem ter sido eleito e sem participar do governo de coalizão da
mandatária do país. A ideologia conservadora segundo a qual a política é
intrinsicamente suja, e a democracia uma obra de ignorantes, resolveu o
fato de que a popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
dizimou a oposição institucional, em 2010, e a criação do PSD jogou as
cinzas fora, terceirizando a política: a mídia assumiu, sem
constrangimentos, o papel de partido político. No ano de 2011, a única
oposição do país foi a mídia tradicional. As pequenas legendas de
esquerda sequer fizeram barulho, por falta de condições, inclusive
internas (parece que o P-SOL levou do PT apenas uma vocação atávica para
dissidências internas; e o PT, ao institucionalizar-se, livrou-se um
pouco dela – aliás, nem tanto, vide o último capítulo do livro do Amaury
Ribeiro Jr.).
Quando a presidenta Dilma Rousseff
começar a escolher seus novos ministros, e se fizer isso logo, a grande
mídia ainda estará sob o impacto do contrangimento. Dilma ganhou, sem
imaginar, um presente de Papai Noel. A imprensa estará muito menos
disposta a comprar uma briga durante a CPI da Privataria – quer porque
ela começa questionando a lisura de aliados sólidos da mídia hegemônica
em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, quer porque esse tema é uma caixinha
de surpresas.
Isso não chega a ser uma crise que a
democracia não tenha condições de lidar. Na CPI dos Anões do Orçamento,
que atingiu o Congresso, os partidos viveram intensamente a crise e,
até por instinto de sobrevivência, cortaram na própria carne (em alguns
casos, com a ajuda da imprensa, jogaram fora a água da bacia com alguns
inocentes junto). A CPI pode ser uma boa chance de o Brasil fazer um
acerto com a história de suas elites.
E, mais do que isso, um debate
sério, de fato, sobre um sistema político que mantém no poder elites
decadentes e é facilmente capturado por interesses privados. Pode dar
uma boa mão para o debate sobre a transparência do Estado e sobre uma
verdadeira separação da política e do poder econômico. 2012 pode ser bom
para a reforma política, apesar de ter eleições municipais. Pode ser o
ano em que o Brasil começará a discutir a corrupção do seu sistema
político como gente grande. Cansou essa brincadeira de o tema da
corrupção ser usado apenas como slogan eleitoral. O Brasil já está
maduro para discutir e resolver esse sério problema estrutural da vida
política brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário