Privataria e regulamentação da mídia
Não
se fala noutra coisa desde o lançamento do livro "A Privataria Tucana",
de Amauri Ribeiro Jr: o silêncio e o desprezo de grande parte da mídia
em relação ao conteúdo da explosiva obra. Existem comentários dos mais
diversos tipos em redes sociais, de considerações ponderadas a
manifestações exaltadas, porém quase todos chegam à mesma conclusão, de
que essa parcela da mídia está adotando a antiga "tática do avestruz" -
enfiando a cabeça num buraco para fingir que não vê o perigo se
aproximar. Fazem isso sem o menor pudor, como se ainda tivessem o poder
de disseminação da informação de outros tempos, como se ainda
estivéssemos no século 20 e como se não houvesse mais inúmeras outras
mídias capazes de disseminar inf ormação e opinião em tempo real.
Será que a motivação para esse
“silêncio eloquente” é originada apenas em interesses econômicos? É
muito pouco provável que assim o seja, uma vez que o governo federal é
um dos maiores anunciantes nos mais expressivos veículos de mídia nesse
país. Não que isso seja qualquer tipo de impedimento para se divulgar
toda e qualquer denúncia contra integrantes do atual governo, mesmo
vinda de fontes nada confiáveis como as mais recentes que provocaram até
a queda de ministros de estado. Essa parcela da grande mídia não tem o
menor pudor em tratar a verdade como algo relativo, desde que esse
tratamento seja de acordo com seus interesses.
Também não é somente por razões
ideológicas que a já citada “tática do avestruz” está sendo adotada.
Fosse assim, esses veículos já teriam feito o possível e o impossível
para desacreditar a obra e o seu autor, como fez o principal acusado
pelas denúncias contidas no livro. Quando José Serra se pronunciou a
respeito, fez questão de desqualificar o autor (“não é à toa que
responde a inquérito na Polícia Federal”, disse ele) e qualificou as
mais de trezentas páginas como “lixo”.
Não vou entrar no mérito do
esquecimento conveniente de Serra do fato que sua filha Verônica também
ser alvo de inquérito da PF, por ter quebrado o sigilo bancário de cerca
de 60 milhões de brasileiros na época de seu site “decidir.com” nos
anos 90. É público e notório que políticos costumam ter uma memória
seletiva muito apurada, que tanto é capaz de recordar dos mínimos
detalhes abonadores da própria pessoa – e desabonadores dos adversários,
na mesma medida – quanto é possível de provocar uma intensa amnésia
instantânea quando assim os convém. Se pensarmos bem, isso nào é nenhuma
novidade.
Também não irei aprofundar-me sobre
essa mesma tática que foi adotada pelos poucos veículos que noticiaram a
respeito do livro, de tentarem ridicularizar o autor e a primeira
emissora que divulgou as denúncias em rede nacional. Dizer que “a Record
tinha mesmo que divulgar essas denúncias, já que o autor do livro
trabalha para eles” é ofender a inteligência dos leitores e internautas,
assim como também é uma ofensa a tentativa de se inocentar alguns dos
acusados. No entanto, mais uma vez, isso seria chover no molhado já que
também não é nenhuma novidade.
A aparente novidade é o motivo
pelo qual essa parcela da grande mídia se cala: eles simplesmente não
podem admitir que enganaram a população durante tanto tempo. Não há
justificativa plausível para anos de distorções promovidas nos
noticiários, sempre no intuito de defender seus próprios interesses a
qualquer custo. Eles foram pegos mentindo, simples assim, e jamais podem
assumir isso de maneira direta e transparente. Não adianta mais
promoverem “passeatas contra a corrupção” que atraem meia-dúzia de
membros da classe média alta, nem colocarem nas manchetes mais
denúncias referendadas por fontes da pior espécie, sem a menor
credibilidade. O povo já percebeu que foi enganado – e não está gostando
nem um pouco disso.
Essa parcela da grande mídia está
confiando que seu silêncio e suas reportagens tendenciosas sejam
suficientes para abafar o caso. Pode até ser que funcione, pois a
velocidade com que denúncias são feitas não está permitindo que uma
análise mais profunda e isenta seja realizada. Isso seria muito
conveniente para todos os envolvidos, desde os acusados pelo livro até
os próprios veículos de mídia que distorceram e enganaram durante tantos
anos.
Só que está parecendo que esses
veículos foram acometidos de uma incrível cegueira ao concentrarem-se
somente no silêncio e nas reportagens tendenciosas. A falta de visão não
os permite enxergar além da esquina e os faz ignorar uma questão
relevante que estará nas pautas das redações muito em breve: o projeto
que prevê a regulamentação da imprensa. É de se duvidar que a mesma
população, que agora descobre-se enganada, irá apoiar o clamor por
“liberdade de imprensa” como bandeira única dessa parte da grande
mídia,convenientemente hasteada sempre que se toca no assunto. As
perguntas que se farão são: “por que vocês não querem uma
regulamentação? É para poderem mentir e enganar sem serem incomodados?” A
pergunta que eu fa ço é: como vocês esperam ter credibilidade para
responderem a essas questões?
Em sua ânsia de esconder o óbvio, a
grande mídia erra na forma e no conteúdo mas isso nem é o mais grave de
tudo. Ruim mesmo é saber que se esqueceram de um dos mais antigos
axiomas da imprensa, formulado nos tempos do Império Romano: “a verdade
sempre aparece, e sempre prevalece”. Está mais do que na hora da verdade
dos fatos os fazerem repetir essa máxima como um mantra, mesmo que seja
inútil diante da inesgotável desfaçatez desses veículos de imprensa.
Mais do que nunca, é hora de uma regulamentação da imprensa em nosso país.
Colaboração do leitor Guto Jimenez, pai, skatista, jornalista, locutor e militante de modo geral. Mora no Rio. Email gutojimenez@gmail.com. Direto da Redação
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