A entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje, no
Estadão,
deve ser lida abaixo da linha das palavras, na linha de visão de mundo
neoliberal que domina a mente vaidosa do “príncipe” destronado.
Ele reage, em parte,
aos “conselhos” da professora americana Frances Hagopian, que sugeriu que o PSDB precisa assumir-se como um partido de centro-direita.
A certa altura, ele se expõe:
Não se deve, então, falar em esquerda e direita ?
Há uma insistência nessa dicotomia. Isso se deve à falta de
analisar os processos reais, o mundo concreto. Não é que inexista uma
esquerda, mas… o que significa a esquerda hoje? Ninguém mais pensa,
como no passado, coisas como coletivização dos bens privados, feita por
um partido que dominasse o Estado em nome de uma classe. Isso não
ocorre mais.
Fernando Henrique, a quem não falta conhecimento teórico para saber
disso, tem perfeita compreensão que, há mais de 50 anos, não se pode
definir assim o pensamento de esquerda. Ele próprio, quando ainda não
havia transitado de lado, era um intelectual de esquerda sem jamais ter
defendido a coletivização dos bens privados ou o domínio do Estado por
um partido em nome do Estado.
Ser de esquerda – sobretudo aqui e progressivamente, desde os anos
Vargas – foi sinônimo de defender um nacionalismo inclusivo que, de um
lado, protegesse o país do saque colonial – de riquezas naturais e, mais
tarde, financeiro – e, de outro, promovesse o resgate, longe de ser
concluído, de imensos contingentes da população de uma condição de
miséria.
Seu governo fez exatamente o contrário. Sobre a entrega e abertura
das entranhas do país, nem é preciso falar, todos sabem. Sobre a
exclusão, alguém duvida do quanto se alargou o fosso entre elite e
povão, nesse período. Não, claro, não foi ele quem a inventou. Mas tomou
gosto nela, pela sua própria alma deslumbrada e a palavra “moderno”
passou a ocupar na sua mente um lugar que eclipsava totalmente a palavra
“justo”.
“Quem defende a direita no Brasil? Ninguém. Mas na prática ela
existe – mas a nossa direita é muito mais o atraso, o clientelismo,
fisiologismo, esse tipo de questão, do que a defesa dos valores
intrínsecos da propriedade, da hierarquia”.
Perfeito. Reduzimos, então, a direita no Brasil a alguns políticos
sem-vergonhas, nepotistas ou a figuras tristemente folclóricas.
A propriedade e a hierarquia que fazem deste país um dreno de
riquezas e de trabalho, em proveito de uma ínfima elite e de uma ordem
econômica mundial decrépita são defendidos por quem?
Ah, sim, pelos “modernos”.
“(…) Temos (o PSDB)
uma tradição republicana, nos
diferenciamos bastante nisso. A coisa pública tem que ser respeitada
como tal e não ser objeto nem de apropriação privada nem
político-partidária. Isso é uma linha. Não é esquerda nem direita, é
republicana”.
Mais uns anos de tal tradição republicana, não sobraria República.
Também do Blog TIJOLAÇO.COM
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