A farra da caserna
Mauricio Dias e Rodrigo Martins
29 de setembro de 2011 às 22:00h
Desde 15 de agosto, a Procuradoria-Geral da República analisa uma representação encaminhada pelo Ministério Público Militar. Trata-se de um pedido de investigação “em desfavor” do comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, citado num espinhoso escândalo de corrupção, talvez o mais ruidoso da Força em seus 363 anos de história. Ao todo, 25 oficiais de variadas patentes, incluindo sete generais e oito coronéis, são suspeitos de integrar um esquema que fraudou licitações, superfaturou contratos, fez pagamentos em duplicidade e pode ter desviado dos cofres públicos ao menos 15 milhões de reais entre 2003 e 2009, segundo os cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU).
O rombo, na verdade, pode ser maior. Apenas um dos envolvidos no escândalo, o major Washington Luiz de Paula, acusado de montar a rede de empresas fantasmas beneficiadas no esquema, acumulou uma fortuna pessoal que surpreendeu os investigadores.
Dados obtidos por CartaCapital revelam que o militar, com renda bruta mensal estimada em 12 mil reais, teria cerca de 10 milhões de reais de patrimônio em imóveis, incluindo um apartamento na Avenida Atlântica, em Copacabana, bairro nobre na zona sul do Rio, estimado em modestos
880 mil reais, certamente por falta de atualização. Seria proprietário
ainda de duas casas na Barra da Tijuca, avaliadas em 2,9 milhões de reais cada. Em nome de seu sogro, que recebe uma aposentaria de cerca de 650 reais, estaria registrado um
luxuoso apartamento de 2,8 milhões de reais na Barra (organograma à
pág. 29). O inquérito que apura o caso revela, ainda, que o major
movimentou mais de 1 milhão de reais em sua conta em apenas um ano.
Fadado a decidir se indicia ou não o chefe do Exército, o procurador-geral Roberto Gurgel terá ainda de tomar uma posição também sobre o foro privilegiado dos generais, que só podem ser julgados pelo Superior Tribunal Militar (STM), onde até agora um único general foi condenado, e posteriormente absolvido no Supremo Tribunal Federal (STF).
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O mentor: Darke Figueiredo e a mulher. O general coordenou a confecção do documento |
Nós, os inimigos
Leandro Fortes
13 de outubro de 2011 às 11:19h
Em
24 de abril de 2009, sob as barbas do então presidente Lula e com o
apoio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, o Exército do Brasil
produziu um documento impressionante. Classificado internamente como
“reservado” e desconhecido, até agora, de Celso Amorim, que sucedeu a
Jobim no ministério, o texto de 162 páginas recebeu o nome Manual de
Campanha – Contra-Inteligência. Trata-se de um conjunto de normas e
orientações técnicas que reúne, em um só universo, todas as paranoias
de segurança herdadas da Guerra Fria e mantidas intocadas, décadas
depois da queda do Muro de Berlim, do fim da ditadura e nove anos após a
chegada do “temido” PT ao poder.
Há
de tudo e um pouco mais no documento elaborado pelo Estado Maior do
Exército. A começar pelo fato de os generais ainda não terem se despido
da prática de espionar a vida dos cidadãos comuns. O manual lista como
potenciais inimigos (chamados no texto de “forças/elementos adversos”)
praticamente toda a população não fardada do País e os estrangeiros.
Citados de forma genérica estão movimentos sociais, ONGs e os demais
órgãos governamentais, de “cunho ideológico ou não”. Só não explica
como um órgão governamental pode estar incluído nesse conceito, embora
seja fácil deduzir que a Secretaria de Direitos Humanos, empenhada em
investigar os crimes da ditadura, seja um deles.
O
manual foi liberado a setores da tropa por força de uma portaria
assinada pelo então chefe do Estado Maior, general Darke Nunes de
Figueiredo. Ex-chefe da segurança pessoal do ex-presidente Fernando
Collor de Mello, Figueiredo é hoje assessor do senador do PTB de
Alagoas. O texto é dividido em sete capítulos, com centenas de itens. O
documento confirma oficialmente que o Exército desrespeita frontalmente
a Constituição Brasileira. Em um trecho registrado como norma de
conhecimento, descreve-se a política de infiltração de agentes de
inteligência militar em organizações civis, notadamente movimentos
sociais e sindicatos. O expediente, usado à farta na ditadura, está
vetado a arapongas militares desde a Carta de 1988, embora nunca tenha,
como se vê no documento, deixado de ser usado pela caserna.
Um comentário:
Que o procurador-geral Gurgel seja abençoado ao fazer seu trabalho!
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