14/10/2010
Preso
em abril durante a Operação Shaolin, que apurou suposto desvio de
recursos do Ministério do Esporte, o contador Miguel Santos Souza
denunciou ao Departamento de Atividades Especiais (Depate) da Polícia
Civil do DF ter recebido uma oferta de R$ 200 mil para incriminar o
candidato Agnelo Queiroz (PT). Em depoimento prestado em 15 de
setembro, Miguel entregou aos policiais civis uma gravação com 34
minutos e 24 segundos de conversa em que um advogado se apresenta como
intermediário de uma proposta da coordenação da campanha de Joaquim
Roriz (PSC) para prejudicar o petista. Investigado por fraude em notas
fiscais, o contador deveria dizer que viu Agnelo “manuseando” dinheiro
ilícito.
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Vídeo em que a compra do testemunho de Miguel Santos Souza é negociada |
O
vídeo foi feito a pedido do próprio Miguel dois dias antes do
depoimento, com uma câmera escondida na sala de sua casa, onde recebeu a
proposta do ho-mem que chamou de “Glauber”. Policiais da Divisão
Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública
(Decap), onde tramita sob sigilo o inquérito sobre a tentativa de compra
da testemunha, o identificaram como o advogado Clauber Madureira
Guedes da Silva. Ele teria se aproximado do contador quando este foi
preso com outros quatro investigados pela Polícia Civil e pelo
Ministério Público do Distrito Federal na Operação Shaolin.
Na reunião gravada, Clauber combina com o contador a forma de vender o testemunho falso contra Agnelo. Pede que o interlocutor tenha confiança em seu trabalho e garante proteção caso Roriz vença a eleição. A cena que incriminaria Agnelo deveria parecer uma gravação não autorizada de uma conversa em que Miguel inadvertidamente contaria ter visto o candidato do PT ao Governo do DF com dinheiro nas mãos. Clauber prometeu, além do dinheiro, um cargo em eventual governo de Roriz (veja trans-crição). O advogado demonstrou que tentaria aumentar a proposta e pediu uma comissão de 5% sobre o valor que ultrapasse os R$ 200 mil oferecidos inicialmente.
A negociação, segundo afirmou, seria feita com a coordenação da campanha de Roriz. Naquele momento, Weslian Roriz ainda não havia substituído o marido na disputa ao GDF. Clauber Madureira não foi localizado ontem pela reportagem. Ele já prestou depoimento e negou ter feito qualquer proposta em nome de Roriz. A Operação Shaolin é um dos principais pontos de desgaste da campanha de Agnelo. Ele sempre negou qualquer participação em denúncias sobre desvios de recursos do Programa Segundo Tempo e sustenta ser vítima de uma ação política. Por decisão judicial, o inquérito foi transferido para a esfera federal, uma vez que o programa envolve recursos da União.
Fraude
Agnelo Queiroz vai pedir hoje ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a abertura de investigação da Polícia Federal (PF) sobre a suposta compra da testemunha da Operação Shaolin. A coordenação de comunicação do petista sustenta estar em curso uma orquestração para desacreditar a candidatura de Agnelo. No requerimento a Barreto, Agnelo pretende incluir outro fato. Nos últimos dias, houve comentários na internet, em blogs e no Twitter sobre uma suposta ligação do ex-ministro do Esporte em caso de pedofilia em Aparecida de Goiânia, Goiás. O episódio teria ocorrido em 1985 e envolvido uma paciente de Agnelo, que é médico. A pedido da direção da Polícia Civil do DF, no entanto, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás apontou indícios veementes de que o suposto inquérito é uma fraude.
Há várias inconsistências. A capa do documento foi digitada em computador, com a fonte Verdana. Ocorre que, na época da suposta autuação, as delegacias do interior de Goiás não tinham equipamentos de informática. Os documentos eram preenchidos em máquinas de escrever ou mesmo manuscritos. O logotipo da Polícia Civil estampado no documento também não existia 25 anos atrás e os policiais que assinam a autuação não foram identificados como policiais, tampouco suas matrículas existem. Há ainda um erro na grafia do nome de Agnelo (Agnelo “do Santo” Queiroz Filho) — seu nome do meio é Santos. Outra falha: na autuação, o petista seria natural de Itapetinga, em São Paulo, mas ele nasceu no município de mesmo nome, mas da Bahia.
Reações
Para o coordenador de comunicação da campanha de Agnelo, Luís Costa Pinto, trata-se de “duas armações sórdidas”. “Esse é um jeito baixo e abjeto de fazer política, lançando mão de compra de depoimentos e do aparelhamento do Estado”, disse. “Isso é o rorizismo. Além de corrupto, é sujo”, acrescentou. Embora estejam sob análise de policiais civis do DF, os dois casos serão levados à Polícia Federal por conterem, em tese, indícios de crime eleitoral.
O ataque ao ex-governador do DF foi respondido ontem pelo jornalista Paulo Fona, que coordena a área de comunicação da campanha rorizista. Ele negou qualquer vinculação da coligação liderada por Roriz com as tentativas de prejudicar Agnelo. E rebateu: “É inacreditável que um jornalista que convive com um candidato de grupo que usa a Receita Federal, a Casa Civil e a Caixa Econômica Federal na campanha venha falar de aparelhamento. Isso é que é um nojo”, sustentou Fona.
Notas fiscais
Na operação ocorrida em abril, os investigadores foram atrás de suspeitas de que um grupo liderado pelo policial militar João Dias, ligado ao PCdoB, teria falsificado notas fiscais para desviar dinheiro repassado pelo Ministério do Esporte a entidades sociais de Kung Fu conveniadas ao Programa Segundo Tempo. A investigação sobre o ministério começou em junho de 2008, com o cumprimento de mandado de busca e apreensão no escritório de Miguel Santos Souza.
Assista aos trechos do vídeo sobre a suposta compra de testemunho
Confira trechos da conversa gravada em 13 de setembro deste ano, entre Miguel de Sousa Rocha, um dos investigados na Operação Shaolin, e o advogado Clauber Madureira Guedes da Silva:
Trecho 1
Advogado — Você não vai assumir nada. Vai simplesmente dizer que viu, sim.
Miguel — Mas viu o quê?
Advogado — Viu o Agnelo (inaudível) manuseando dinheiro.
Miguel — Manuseando dinheiro?
Advogado — É.
Trecho 2
Miguel — Eu quero saber o que que é pra mim fazer (sic) e o que que eu vou receber por isso, o que que eu vou ganhar com isso, né? Isso que eu preciso saber. Porque tudo tem seu preço, né?
Advogado — Lógico.
Miguel — Eu preciso saber o que que é mesmo e tal.
Advogado — O combinado é aquilo que a gente conversou. É aquilo mesmo.
Miguel — Aquilo seria o quê? Você falou R$ 200 mil mais um cargo no primeiro escalão. É no primeiro escalão, no segundo? E como é que eu vou ter certeza que eu vou receber esse dinheiro?
Advogado — Na mão.
Trecho 3
Miguel — Me diz uma coisa, já que a gente está confiando um no outro, eu tô confiando em você… Da onde é que vem mesmo esse dinheiro? Quem é que vai pagar? Só para mim me situar, para mim ter uma ideia, entendeu? É o Roriz? É o pessoal dele? O coordenador de campanha? Quem é?
Advogado — O pessoal dos coordenadores de campanha.
Fonte:Correio Braziliense
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