Mauro Santayanna.
Há uma seguidilla de Cervantes que pode explicar a submissão da Espanha, sob Zapatero, aos Estados Unidos, permitindo a inclusão da base norte-americana de Rota, na Andaluzia, na malha do escudo anti-mísseis da Europa, anunciada ontem em Bruxelas. “A la guerra me lleva/ mi necesidad;/ si tuviera dineros/ no fuera en verdad”. Soldado ele mesmo, e soldado de fortuna, ou seja, por necessidade, Cervantes, nesses quatro versos quase espontâneos, vai ao fundo das razões da guerra. Na verdade, em toda a História, antes que o grande espanhol perdesse sua mão na batalha de Lepanto, e depois de sua obra literária insuperável, a guerra é frequentemente a necessidade, real, ou criada pela astúcia dos reis e tiranos.
A crise econômica da Europa é mais profunda do que seus aspectos econômicos. Como bem acentuou a presidente Dilma Roussef, suas causas são políticas e, sendo políticas, chegam à medula da civilização ocidental, em suas contradições, já milenares. A partir do Plano Marshall, em 1948 - que foi um dos mais geniais golpes políticos da História com os investimentos multibilionários de Washington na Europa -, o inconsciente europeu foi inseminado de duas idéias: a da invencibilidade norte-americana e a dos benefícios indiretos da guerra. A derrota de Hitler se deve ao grande sacrifício da União Soviética, com seus aliados iugoslavos, sob o comando de Tito; à brava resistência inglesa aos bombardeios constantes sobre Londres; aos Estados Unidos e aos cidadãos europeus que lutaram contra a ocupação, e enfrentaram, ao mesmo tempo, os invasores e as autoridades títeres de seus países, sobretudo na França de Pétain e Laval e na Itália de Mussolini.
A Europa continental, como sabemos, foi, de 1940 a 1944, “a Europa de Hitler” conforme o título de conhecido ensaio de Toynbee. Durante o conflito, alguns policy makers anglossaxônicos trabalharam com a hipótese de cooptar o sistema soviético, convertendo-o com a sedução do capitalismo. Nesse propósito ofereceram estender à União Soviética, e aos paises sob sua influência, o plano de reconstrução, e foram diplomaticamente dispensados. Os dissídios entre os aliados vinham desde a divisão da Europa na linha geográfica da influência dos dois blocos, ao longo dos rios Oder-Neisse, que passaram a ser a fronteira entre a Alemanha e a Polônia. A legitimidade desta linha, que não podiam negar, desde que fora negociada em Ialta e em Potsdam, viria a ser confirmada nos Ostverträge, negociados por Willy Brandt em Moscou, em 1971 e reafirmada nos convênios da reunificação alemã. Para os europeus, destruídos pelo conflito, o Plano Marshall foi uma dádiva; para o capitalismo norte-americano, a mais rendosa aplicação que poderiam fazer. Como eram os únicos emissores de moeda internacional, desde a decisão do acordo de Bretton Woods, de 1944, não tinham qualquer dificuldade em fazer a inversão, imprimindo mais dólares, com os resultados conhecidos.
Sessenta e seis anos mais tarde, a insânia, companheira das frustrações, volta a ruflar os tambores da guerra, como os fez ruflar em 1914 e em 1939, sem falar nos chamados conflitos laterais, da Coréia à Líbia. As guerras têm sido, também, um recurso para a unificação interna, quando há graves perigos de cisão política. Os enlouquecidos partidários da solução bélica não escondem os seus projetos de nova colonização manu militari da África e do Oriente Médio, e querem abrir caminho para uma intervenção na Síria, na escalada para o condomínio da grande região. Mas, embora com votos bem cautelosos, a China e a Rússia, com a abstenção do Brasil, da Índia, do Líbano e da África do Sul, disseram não ao projeto de “forte condenação” do governo sírio, em sua repressão aos movimentos insurrecionais internos, o que abriria caminho a nova intervenção armada da Otan.
Enfim, todos querem condenar a repressão síria, mas ninguém se levanta para condenar a brutal intervenção militar da OTAN na Líbia, com seus milhares de vítimas. E Obama tem o cinismo de afirmar que não faz guerra contra a Líbia, uma vez que a atinge de longe, com seus mísseis. Para ele, a guerra só se faz com a presença da infantaria no território agredido.
Há uma seguidilla de Cervantes que pode explicar a submissão da Espanha, sob Zapatero, aos Estados Unidos, permitindo a inclusão da base norte-americana de Rota, na Andaluzia, na malha do escudo anti-mísseis da Europa, anunciada ontem em Bruxelas. “A la guerra me lleva/ mi necesidad;/ si tuviera dineros/ no fuera en verdad”. Soldado ele mesmo, e soldado de fortuna, ou seja, por necessidade, Cervantes, nesses quatro versos quase espontâneos, vai ao fundo das razões da guerra. Na verdade, em toda a História, antes que o grande espanhol perdesse sua mão na batalha de Lepanto, e depois de sua obra literária insuperável, a guerra é frequentemente a necessidade, real, ou criada pela astúcia dos reis e tiranos.
A crise econômica da Europa é mais profunda do que seus aspectos econômicos. Como bem acentuou a presidente Dilma Roussef, suas causas são políticas e, sendo políticas, chegam à medula da civilização ocidental, em suas contradições, já milenares. A partir do Plano Marshall, em 1948 - que foi um dos mais geniais golpes políticos da História com os investimentos multibilionários de Washington na Europa -, o inconsciente europeu foi inseminado de duas idéias: a da invencibilidade norte-americana e a dos benefícios indiretos da guerra. A derrota de Hitler se deve ao grande sacrifício da União Soviética, com seus aliados iugoslavos, sob o comando de Tito; à brava resistência inglesa aos bombardeios constantes sobre Londres; aos Estados Unidos e aos cidadãos europeus que lutaram contra a ocupação, e enfrentaram, ao mesmo tempo, os invasores e as autoridades títeres de seus países, sobretudo na França de Pétain e Laval e na Itália de Mussolini.
A Europa continental, como sabemos, foi, de 1940 a 1944, “a Europa de Hitler” conforme o título de conhecido ensaio de Toynbee. Durante o conflito, alguns policy makers anglossaxônicos trabalharam com a hipótese de cooptar o sistema soviético, convertendo-o com a sedução do capitalismo. Nesse propósito ofereceram estender à União Soviética, e aos paises sob sua influência, o plano de reconstrução, e foram diplomaticamente dispensados. Os dissídios entre os aliados vinham desde a divisão da Europa na linha geográfica da influência dos dois blocos, ao longo dos rios Oder-Neisse, que passaram a ser a fronteira entre a Alemanha e a Polônia. A legitimidade desta linha, que não podiam negar, desde que fora negociada em Ialta e em Potsdam, viria a ser confirmada nos Ostverträge, negociados por Willy Brandt em Moscou, em 1971 e reafirmada nos convênios da reunificação alemã. Para os europeus, destruídos pelo conflito, o Plano Marshall foi uma dádiva; para o capitalismo norte-americano, a mais rendosa aplicação que poderiam fazer. Como eram os únicos emissores de moeda internacional, desde a decisão do acordo de Bretton Woods, de 1944, não tinham qualquer dificuldade em fazer a inversão, imprimindo mais dólares, com os resultados conhecidos.
Sessenta e seis anos mais tarde, a insânia, companheira das frustrações, volta a ruflar os tambores da guerra, como os fez ruflar em 1914 e em 1939, sem falar nos chamados conflitos laterais, da Coréia à Líbia. As guerras têm sido, também, um recurso para a unificação interna, quando há graves perigos de cisão política. Os enlouquecidos partidários da solução bélica não escondem os seus projetos de nova colonização manu militari da África e do Oriente Médio, e querem abrir caminho para uma intervenção na Síria, na escalada para o condomínio da grande região. Mas, embora com votos bem cautelosos, a China e a Rússia, com a abstenção do Brasil, da Índia, do Líbano e da África do Sul, disseram não ao projeto de “forte condenação” do governo sírio, em sua repressão aos movimentos insurrecionais internos, o que abriria caminho a nova intervenção armada da Otan.
Enfim, todos querem condenar a repressão síria, mas ninguém se levanta para condenar a brutal intervenção militar da OTAN na Líbia, com seus milhares de vítimas. E Obama tem o cinismo de afirmar que não faz guerra contra a Líbia, uma vez que a atinge de longe, com seus mísseis. Para ele, a guerra só se faz com a presença da infantaria no território agredido.
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