Wall Street ocupada |
Publicado em 06/10/2011 por *Mair Pena Neto
A
primavera árabe, elogiada nos meios de comunicação como movimento
popular pelo fim das tiranias naquela parte do mundo, pode estar se
repetindo onde menos se esperava: no coração financeiro do planeta, de
onde emana o modelo que o leva a um impasse de grandes proporções, que
ameaça sua própria sobrevivência. O movimento “Ocupar Wall Street”,
embora ainda sem objetivos muito bem definidos e sem a mesma atenção
midiática dispensada aos povos árabes, está colocando o dedo na ferida
do capitalismo financeiro e arregimentando cada vez mais pessoas.
Manifestações
pacíficas, aplaudidas em outros cantos do mundo, naturalmente não são
bem-vindas no quintal norte-americano, ainda mais quando decidem
acampar no distrito financeiro de Nova York. Na praça Tahir, pode, na
Porta do Sol, vá lá, mas em Wall Street não.
A democracia dos Estados Unidos tratou seus pacíficos cidadãos a
cassetetes e gás de pimenta, quando se dirigiam ao local. Mais de 700
pessoas foram presas pelo "crime" de se manifestarem contra uma ordem
mundial que causa crise, recessão e desemprego.
Mas
o tiro está saindo pela culatra. Assim como nas praças árabes, a
repressão gera mais mobilização, e diversas categorias profissionais
aderem ao movimento. A solidariedade começa a se espalhar por outras
cidades dos Estados Unidos e o movimento cresce, aparece e luta pelo
que o presidente Obama não conseguiu. Inverter a ordem do jogo em que
ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais numerosos. O
desemprego nos EUA atinge cerca de 20 milhões de pessoas, enquanto os
bônus nos grandes bancos e empresas movimentam fortunas ofensivas,
principalmente em tempos de crise e déficit fiscal elevado.
Qualquer
tentativa de elevação de imposto, taxação dos mais ricos ou algo que o
valha é bombardeada pelos republicanos e pelo setor conservador da
sociedade, que não entrega os anéis, mas periga perder os dedos. O
movimento norte-americano se organiza pelas redes sociais e funciona de
forma horizontal, sem lideranças definidas. Na Praça Tahir também não
havia lideranças claras, mas a persistência do povo egípcio derrubou o
governo.
Os
manifestantes norte-americanos não pedem a cabeça de Obama, mas em seu
protesto ainda difuso está a revolta contra o domínio do capital
financeiro sobre o país. Os americanos de lá perderam suas casas na
crise do subprime e seus empregos no
repique da convulsão econômica, da qual o país não conseguiu emergir.
Para um país forjado por sua classe média deve ser insuportável
conviver com tanta desigualdade social, ameaçando sua democracia
política.
O
movimento ainda irá enfrentar mais repressão policial e boicote
midiático. Seu futuro é incerto. Mas pela solidariedade que tem
despertado e o envolvimento de categorias de peso, como o sindicato
nacional dos trabalhadores do setor siderúrgico (USW), com mais de um
milhão de filiados, pode ganhar massa muscular e conquistar corações e
mentes de um país que não se mobiliza de forma abrangente desde os
protestos pelo fim da guerra do Vietnã.
*Mair Pena Neto é jornalista
carioca; trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e
Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de
economia.
Enviado por Direto da Redação
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