Poucas
pessoas que visitaram o monumento não ficam maravilhadas com a vista,
lá de cima, do Morro do Corcovado, de uma das cidades mais bonitas do
mundo. O que não impede, contudo, de muitos terem achado um tremendo
exagero a eleição da estátua como uma das sete novas maravilhas do mundo
– concurso realizado por uma fundação suíça, que também elegeu o Taj
Mahal (!), o Coliseu (!!) e Machu Piccu (!!!), entre outros monumentos
históricos. Perceberam a desproporcionalidade histórica e a paulada no
significado da palavra “maravilha”?
Mas
como a votação foi pela internet e houve até campanha de veículos de
comunicação brasileiros inflamando o que há de pior em nosso ufanismo
patriótico (se é que há algo de bom nesse caldo), era claro que o
monumento de gosto estilístico duvidoso fosse entrar nesse hall da fama.
Em
um país de maioria católica (não praticante, é claro, e que apela para
todas as forças do universo em um sincretismo fascinante nos momentos de
dificuldade), o monumento sob os cuidados da Arquidiocese do Rio de
Janeiro, tem sua importância. Se aquela referência faz bem à grande
maioria das pessoas e não ofende uma minoria, não há problema. O difícil
não é ter que conviver com um símbolo de uma crença que não é a sua na
rua – a isso damos o nome de tolerância, que deveria ser melhor
cultivada por estas bandas, e que protegeria o direito de culto em
igrejas, templos e terreiros. O ruim é saber que a presença desses em
prédios que pertencem ao poder público mostram que a saudável e
necessária separação entre fé e Estado não ocorre por aqui.
A
questão da retirada de crucifixos, imagens religiosas e afins de
repartições públicas gerou polêmicas ao longo da história a partir do
momento em que um Estado se afirma laico (e não desde o lançamento do 3º
Programa Nacional de Direitos Humanos, no ano passado, que previa essa
ação). A França retirou os símbolos religiosos de sedes de governos,
tribunais e escolas públicas no final do século 19. Nossa primeira
Constituição republicana já contemplava a separação entre Estado e
Igreja, mas estamos 120 anos atrasados em cumprir a promessas dos
legisladores de então.
Em
janeiro de 2010, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
lançou uma nota em que rejeitou “a criação de ‘mecanismos para impeder a
ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da
União’, pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar
nossas raízes históricas”.
Na
época, auto-intitulados representantes de Deus, afirmaram que se o
governo quisesse tirar símbolos religiosos, então deveria começar pelo
Cristo Redentor. Chantagem besta, do mesmo DNA de: “se for para começar a
discutir as regras do jogo, levo a minha bola embora – humpf”.
Particularmente, pode demolir a estátua que não dou a mínima (e, com
essa frase iconoclasta, selo a excomunhão deste que já foi até
coroinha). Mas sei que a sociedade, que tem apreço por ela, não deixaria
meia dúzia de “iluminados” sacerdotes tomar tal medida uma vez que o
monumento pertence, na prática, à cidade do Rio e não à Cúria. Em tempo:
não é o governo que sugere a retirada dos símbolos religiosos de
repartições públicas, mas foi a Conferência Nacional de Direitos
Humanos, que derivou de conferência estaduais, reunindo a sociedade
brasileira em um debate longo e democrático.
Adoro
quando alguém apela para as “raízes históricas” para discutir algo. Na
época, lembrei que a escravidão está em nossas raízes históricas. A
sociedade patriarcal está em nossas raízes históricas. A desigualdade
social estrutural está em nossas raízes históricas. A exploração
irracional dos recursos naturais está em nossas raízes históricas. A
submissão da mulher como mera reprodutora e objeto sexual está em nossas
raízes históricas. As decisões de Estado serem tomadas por meia dúzia
de iluminados ignorando a participação popular estão em nossas raízes
históricas. Lavar a honra com sangue está em nossas raízes históricas.
Caçar índios no mato está em nossas raízes históricas. E isso para falar
apenas de Brasil. Até porque queimar pessoas por intolerância de
pensamento está nas raízes históricas de muita gente.
Quando
o ser humano consegue caminhar a ponto de ver no horizonte a
possibilidade de se livrar das amarras de suas “raízes históricas”,
obtendo a liberdade para acreditar ou não, fazer ou não fazer, ser o que
quiser ser, instituições importantes trazem justificativas para manter
tudo como está.
Como foi
noticiado neste blog, em 2009, o Ministério Público do Piauí solicitou a
retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos, atendendo a uma
representação feita por entidades da sociedade civil e o presidente do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou recolher os crucifixos que
adornavam o prédio e converteu a capela católica em local de culto
ecumênico. Algumas dessas ações têm vida curta, mas o que importa é que
percebe-se um processo em defesa de um Estado que proteja e acolha todas
as religiões, mas não seja atrelado a nenhuma delas.
É
necessário que se retirem adornos e referência religiosas de edifícios
públicos, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Não é
porque o país tem uma maioria de católicos que espíritas, judeus,
muçulmanos, enfim, minorias, precisem aceitar um crucifixo em um espaço
do Estado. Além disso, as denominações cristãs são parte interessada em
várias polêmicas judiciais – de pesquisas com célula-tronco ao direito
ao aborto. Se esses elementos estão escancaradamente presentes nos
locais onde são tomadas as decisões sem que ninguém se mexa para
retirá-las, como garantir que as decisões serão isentas? O Estado deve
garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus
cultos, tenham seus templos, igrejas e terreiros e ostentem seus
símbolos. Mas não pode se envolver, positiva ou negativamente, em
nenhuma delas.
E não sou eu quem
diz isso. Em Mateus, capítulo 22, versículo 21, o livro sagrado do
cristianismo deixa bem claro o que o pessoal de hoje quer fazer de conta
que não entende: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é
de Deus”.
Estado é Estado. Religião é religião. Simples assim.
2 comentários:
Com todo respeito, achei o seu artigo confuso. (eu ia dizer populista, mas travei na hora de escrever). Ou, então, o mais provável é que eu não entendi nada.
Amigo, não sei se entendi direito tb., de qualquer modo, o Cristo carioca é sorridente, magnânimo, acolhedor e super gente boa, deixa ele fora disso!
ab
yvone
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