Editorial do Estadão
É de todo verossímil o argumento do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, segundo o qual "pessoas que estão morrendo de medo do processo do mensalão" estão por trás das tentativas de convocá-lo a depor na CPI do Cachoeira. A razão invocada é a demora de Gurgel em pedir ao STF abertura de inquérito contra o senador goiano Demóstenes Torres por suas ligações com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Charge do Aroeira |
O golpe dos mensaleiros
É de todo verossímil o argumento do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, segundo o qual "pessoas que estão morrendo de medo do processo do mensalão" estão por trás das tentativas de convocá-lo a depor na CPI do Cachoeira. A razão invocada é a demora de Gurgel em pedir ao STF abertura de inquérito contra o senador goiano Demóstenes Torres por suas ligações com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Na realidade, o procurador está na mira do PT e do ex-presidente Lula
pelo menos desde que começou a ganhar corpo a possibilidade de
iniciar-se em breve o julgamento dos 38 réus, a começar pelo ex-ministro
e deputado cassado José Dirceu, do esquema de corrupção que Gurgel
considera "o maior atentado à democracia brasileira". O intento de
intimidá-lo e, no limite, desmoralizá-lo antecede o escândalo que levou à
CPI - e foi uma das razões por que o PT se bateu por sua criação.
Ainda que os parlamentares que defendem a convocação de Gurgel se
movessem exclusivamente pela busca da verdade, ela esbarra em dois
obstáculos substanciais. O primeiro é de natureza jurídica. Se viesse a
depor, ele ficaria inabilitado a conduzir a ação contra Demóstenes.
Ninguém, decerto, é insubstituível, mas a mudança reduziria as chances
de sucesso da ação. Na CPI, há quem sugira, para contornar essa
dificuldade, que se convoque no seu lugar a subprocuradora Cláudia
Sampaio Marques. Foi ela quem recebeu o relatório da Operação Vegas, da
Polícia Federal, que poderia incriminar o senador há mais tempo. Cláudia
é casada com Gurgel.
Mas a manobra não eliminaria a segunda barreira, de natureza política: a
CPI foi constituída para investigar os elos de Cachoeira com agentes
públicos e privados - funcionários, políticos, empresários e outros
profissionais -, não para investigar o procurador-geral ou a
subprocuradora. Se o fizesse, não só se descaracterizaria, como as suas
conclusões dificilmente poderiam produzir efeitos práticos no âmbito da
Justiça. Qualquer iniciativa contra Gurgel deve se radicar no foro
apropriado, o Conselho Nacional do Ministério Público. A questão de
fundo, de todo modo, são as dúvidas sobre a sua conduta no caso.
Em 15 de setembro de 2009, chegou à Procuradoria o relatório da Operação
Vegas. Segundo disse à CPI o delegado Raul Alexandre Marques Souza, da
Polícia Federal, Cláudia informou ao órgão que não havia encontrado no
texto elementos que justificassem uma investigação sobre Demóstenes.
Passados dois anos e meio, em 27 de março último - cinco dias depois de O
Globo publicar as primeiras degravações de conversas entre ele e
Cachoeira -, Gurgel foi ao STF contra o senador. "Não há argumento",
reagiu o deputado Onyx Lorenzoni, do DEM catarinense, insuspeito
portanto de se acumpliciar com o PT. "Ele (Gurgel) estava com a bomba
atômica e nada fez."
Na linha da subprocuradora, Gurgel alega que o material de que dispunha
inicialmente não sustentaria um pedido de inquérito. Além disso, o
procedimento poderia se revelar contraproducente, prejudicando eventuais
investigações contra outros suspeitos. "Não fosse essa opção", afirma,
"não teríamos a Operação Monte Carlo, não teríamos todos esses fatos que
acabaram vindo à tona." Pode ser. Mas na representação aparentemente
tardia contra Demóstenes, ele incluiu uma vintena de conversas
interceptadas no curso da Operação Vegas. O procurador replica que o
material obtido pela Monte Claro deu àquelas degravações uma importância
que por si sós não teriam.
Salvo evidências em contrário, a boa-fé de Gurgel não está em jogo - a
menos que se queira desqualificá-lo com segundas intenções, como é o
caso do PT.
É sobre isso que ele fala em entrevista a O Globo: "A atividade do
Ministério Público tem como uma das suas características a de desagradar
a muitos, se não a todos. Portanto, faz parte do nosso ofício saber que
vamos ser alvos de pessoas que já foram alvos, e alvos notórios do
Ministério Público, e que agora têm chance de tentar uma retaliação. E é
isso que se está fazendo", concluiu.
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