sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O candidato que ocupou o vácuo

Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico 

Perfilar Celso Russomanno como o candidato dos currais pentecostais ou do voluntarismo populista de longa cepa pode exorcizar o mal-estar da classe média com sua ascensão. Mas não ajuda a entendê-lo.

Acatar a preponderância religiosa na preferência de voto é ceder à explicação, cada vez mais em voga até na esquerda, de que a cartilha lulista para a conquista do eleitorado manda fazer concessões ao obscurantismo das massas e sacrificar o vanguardismo urbano e intelectualizado.

A religião não convence como explicação para a liderança de Russomanno assim como não é suficiente para justificar o declínio de José Serra. Ambos se ombreiam na disputa pelos rebanhos e na preferência das lideranças religiosas mais ativas.

A polarização que Russomanno quebrou nunca existiu

Se o leitor fosse pastor evangélico provavelmente se engraçaria com o candidato que se dispusesse a facilitar os alvarás para templos. Mas se não houver na parada um candidato abertamente favorável a cassar essas licenças, é despropositado imaginar que a questão faça mais a cabeça do eleitor do que o mau atendimento nos postos de saúde ou a limitação de creches.

A influência de pastores sobre a formação do voto é inversamente proporcional à diversificação do mercado de informações de uma campanha. Numa primeira fase os pastores podem até ser a única fonte de informação, mas o horário eleitoral, a cobertura jornalística e as conversas com parentes e amigos acabam confrontando percepções e definindo o voto. Isso pode confinar Russomanno a um terço do eleitorado, mas do segundo turno parece difícil tirá-lo.

A derrota de Serra na eleição presidencial já deveria ter bastado para demonstrar que há um limite à exploração dos currais pentecostais. Não é porque passou poucos anos na escola que o eleitor é incapaz de perceber excessos de pastores e candidatos que exploram a religião para conseguir seu voto. Descrer disso é reeditar o velho bordão de que o brasileiro não sabe votar.

O eleitor vota naquele em quem identifica mais condições para enfrentar os problemas que avalia serem os de seu bairro e de sua cidade. Do Pari a Higienópolis, do Prouni à USP, do shopping Aricanduva ao Cidade Jardim os problemas são diferentes e os eleitores também. Mas a motivação é a mesma.

Se Russomanno, pelo que mostram as pesquisas, consegue o dobro dos votos de seus adversários no eleitorado pentecostal isso talvez se deva menos à bíblia pela qual se reza do que ao fato de esse eleitor não morar em Higienópolis, não frequentar a USP nem o Shopping Cidade Jardim.

O candidato do PRB tampouco quebrou a polarização entre PT e PSDB na cidade porque esta, na verdade, não existe. O fato de os dois polos da política nacional terem se originado e ainda hoje manterem seus principais núcleos em São Paulo gera essa confusão. Mas das seis eleições municipais já disputadas por ambos os partidos o PSDB só foi para o 2º turno uma única vez, quando Serra ganhou em 2004.

O PT participou dos cinco segundos turnos já havidos, ganhando uma vez com Marta Suplicy (2000) e outra em 1988 (Luiza Erundina) quando a eleição era de uma só tacada.

Quem rivaliza e ultrapassa o PT como força eleitoral na cidade é a direita de Paulo Maluf, Celso Pitta e Gilberto Kassab. É desta tradição que Celso Russomanno é herdeiro? Talvez. Mas tradição não enche urna. O que importa para entender Russomanno é saber que vácuo ele preencheu ao surgir e se firmar face ao descrédito geral.

Ao lançar um desconhecido do eleitor e sem o aval de Marta, o PT deixou o flanco aberto para o candidato do PRB ocupar. A persistência de bons índices de Russomanno junto ao eleitorado petista indica que o PT ainda corre atrás do prejuízo.

O lançamento de Haddad, por si só, já confronta a tese de que o que está em jogo é a hegemonia populista. O candidato petista é um dos maiores críticos à tese de que esta foi a opção do PT para sobreviver a Lula.

O tempo que levou para transformar seu discurso em defesa do "transporte modal" na proposta do bilhete único mensal dá conta de seu divórcio com o populismo e explica o terreno ganho por Russomanno no eleitorado de seu partido.

No flanco tucano, foram a desaprovação de Gilberto Kassab e a rejeição de Serra que abriram espaço para o candidato do PRB entrar no condomínio de classe média baixa que um dia foi de Maluf e onde PSDB e PSD passaram a se revezar. Até o mensalão, última esperança tucana, jogou água no moinho do candidato que não toca no assunto. Um quarto de seus eleitores se diz influenciado pelo julgamento.

Russomanno é tratado como produto de uma política que transforma cidadãos em consumidores. Isso pode ser verdade mas é uma bandeira que só adquire feições populistas em suas mãos. Se é Dilma Rousseff que a empunha ao enfrentar operadoras de telefonia e concessionárias de energia é porque a presidente está numa guerra republicana.

Russomanno diminui a política quando trata todos por consumidores, mas esse reducionismo vem lá de trás.

Foi no boom de consumo do Real que o candidato do PRB, depois do sucesso na TV com programas em defesa do consumidor, estreou na Câmara dos Deputados em 1994 pelo PSDB com a maior votação absoluta do país.

Ao longo de quatro mandatos, além de prestar favores e destinar emendas à própria ONG, perseguiu a mesma toada da violência e dos direitos do consumidor.

Russomanno não é um representante da velha direita na base do prende e arrebenta. Na tarde de segunda feira desembarcou no sindicato dos policiais federais para falar de seus planos para a segurança pública.

Franzino, de calça jeans apertada, sapato de bico fino e com um timbre baixo de voz, falou de um curso que havia feito na polícia da Califórnia. Acompanhou um policial que depois de prender um cidadão por engano no meio da rua voltara ao mesmo local e pedira desculpas à comunidade, em nome do Estado, pela prisão do inocente. Disse que era essa polícia que quer para São Paulo.

Ainda não dá para dizer se Russomanno sobreviverá ao contraditório da campanha eleitoral. Mas numa cidade que amanhece de uma chacina ouvindo de seu governador que basta não reagir para sobreviver à polícia, é natural o sucesso que faz.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.
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