Não são poucos os sustos e as consequentes desilusões que estão a sentir
os que acompanham os julgamentos do apelidado “mensalão”. Na semana
passada, o susto transformou-se em indignação, — e o Brasil ouviu o
aparte de assustado de Tóffoli —, quando o ministro Luiz Fux propôs
inverter o ônus processual da prova e, também, entendeu em
jurisdicinalizar a prova colhida em comissão parlamentar de inquérito
(CPI) que, como o próprio nome diz, é inquisitiva e não contraditória. E
um dos seus efeitos da CPI é passar ao Ministério Público, titular da
ação penal pública, uma notícia de crime. Lógico, o Ministério Público
não está obrigado a apresentar a ação penal e poderá solicitar
diligências complementares à polícia judiciária, ajuizar a ação ou pedir
o arquivamento da documentação recebida à autoridade judiciária.
Como sabem até os rábulas de porta de cadeia de periferia, no processo
penal, onde o conflito versa, de um lado, pela pretensão de punir e, de
outro, pelo direito subjetivo de liberdade, o órgão acusador tem o ônus
da prova da (1) existência de um fato tipificado em lei criminal e (2)
do autor da conduta ilícita.
Mudar isso, significa, além de fazer girar na tumba o espólio do
precursor da humanização do direito penal, Marques de Beccaria, atribuir
ao réu-acusado a prova da sua inocência. À defesa do réu cabe
unicamente, como ensina os doutrinadores de países civilizados,
demonstrar fatos que excluam a pretensão de punir (v.g, prescrição), a
vontade livre do réu (v.g, coação irresistível) ou que conferem uma nova
dimensão ao fato imputado (v.g, legítima defesa).
Com o Supremo Tribunal Federal (STF) reduzido a dez ministros pela
aposentadoria compulsória de Cezar Peluso, não tardou o ministro Marco
Aurélio, em entrevista, sustentar o que chamou de voto de Minerva no
caso de empate no julgamento. Para Marco Aurélio, deve valer o voto de
Minerva, que era a deusa romana da sabedoria e da guerra. Em outras
palavras, o presidente Ayres Brito votaria para desempatar e a isso os
supremos ministros chamam de “voto de qualidade”. Ayres Brito, portanto,
votaria duas vezes.
A prevalecer esse entendimento, o STF abandonará uma garantia universal,
o “in dubio pro reo” e que decorre da presunção de inocência. O “in
dubio pro reo” está no Digesto do imperador Justiniano, lançado no ano
533. A justificativa é a seguinte: “é melhor o juiz absolver um provável
culpado do que condenar um provável inocente”.
Não se deve esquecer haver o ministro Peluso ressaltado, – com relação à
absolvição pelo segundo peculato atribuído a João Paulo Cunha –, que a
prova era duvidosa e ele aplicava o “in dubio pro reo”.
Fora isso existe, e a causar confusão na mídia, uma repetida fala de
ministros a respeito da validade da prova indiciária que, numa definição
bem conhecida, diz “ser o fato que, pela sua ligação como fato
probando, autoriza a concluir algo sobre ele”. A confusão está em se
dar plena validade a meros indícios, enquanto, doutrina e
jurisprudência, estão orientadas no sentido de simples e frágeis
indícios, meras conjecturas, não bastarem para sustentar uma conclusão
condenatória.
Por último, não se deve esquecer ter Peluso declarado a perda do mandado
parlamentar do réu João Paulo Cunha. Numa das suas milésimas
entrevistas, o ministro Marco Aurélio prejulgou essa questão. Isto ao
afirmar que o mandato de João Paulo Cunha será cassado pelo STF, que é o
guardião da constituição.
No particular, abre-se uma polêmica constitucional. Todos sabem que no
Código Penal está previsto a perda de mandato eletivo como efeito da
condenação definitiva: “- artigo 92,I.
A Constituição, ao tratar de deputados federais e senadores, afirma
também a perda de mandato em caso de decisão condenatória com trânsito
em julgado: art .55, inciso VI. Só que, logo abaixo, no parágrafo 2º.,
existe uma regra condutora especial. Essa regra diz, com todas as
letras, que a perda de mandato de deputado federal, em razão de
condenação definitiva em processo criminal, será decidida pela Câmara
por voto secreto e maioria absoluta: o Senado, em julho passado, aprovou
emenda que coloca fim ao voto secreto e se está a aguardar a
deliberação da Câmara. A jurisprudência do STF não dá razão a Peluso e
nem a Marco Aurélio: “recurso Extraordinárior. n.º.179.502-6/SP, relator
ministro Moreira Alves.
Pano rápido. Não se trata de defender acusado de venalidade, mas,
apenas, de se desejar o cumprimento da Constituição e, só pelo devido
meio legal, aceitar a sua alteração. Não se pode admitir um Judiciário a
revogar norma constitucional específica e que não destoa do sistema
escolhido pelo legislador constituinte. No popular, isso seria uma
ditadura judiciária.
Wálter MaierovirchNo CartaCapital
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