Joaquim Barbosa vive um dilema; por sua postura em todo o julgamento na
Ação Penal 470, não há dúvida de que ele gostaria da prisão imediata dos
condenados, como pede o procurador geral Roberto Gurgel; mas o passa
moleque aplicado sobre os demais juízes ficou tão nítido, na sessão da
segunda-feira 17, que será difícil para ele voltar a encarar seus pares
com altivez no caso de completar, solitariamente, a manobra iniciada;
decisão vai pautar padrão ético de sua gestão que apenas começa; e
agora, Joaquim?
Marco Damiani _247 – O Supremo sou eu. No melhor estilo
Luís 14, o Rei-Sol francês dos séculos 17 e 18, a quem se atribui a
frase L'État c'est moi (O Estado sou eu), o presidente do STF, Joaquim
Barbosa, está diante da encruzilhada que vai definir sua gestão à frente
da mais alta corte jurídica do País. Caso lance mão dos poderes
absolutistas que pode exercer neste momento, em razão do recém iniciado
recesso da Justiça, irá acatar a petição do procurador geral da
República, Roberto Gurgel, e mandar imediatamente para trás das grades
os condenados na Ação Penal 470. Por outro lado, um arroubo democrático o
levará a entender que ultrapassar, dentro das regras do regulamento, a
consulta ao plenário, será também uma derrapada ética que projeta
grandes desastres pela frente.
Barbosa está, por mais paradoxal que pareça, agora que o julgamento
chegou ao fim, diante da decisão para ele mais difícil de todo o
processo. A única que, para tomá-la, ao que se sabe a respeito dos
bastidores do Supremo neste momento, ele tem dúvidas.
Foi uma manobra esperrrta, assim mesmo, com três erres, a que, na sessão
da segunda-feira 17, Barbosa consumou junto ao procurador geral da
República, Roberto Gurgel. O decano Celso de Mello havia pedido para que
fosse apreciada, àquela altura final dos trabalhos, a conveniência de
votar a prisão imediata dos condenados ou, como ele demonstrou querer,
aguardar o julgamento dos recursos e embargos que seriam apresentados
pelos advogados das partes envolvidas. Barbosa considerou a questão como
menor, um caso para ser visto depois, e imediatamente recebeu o apoio
de Gurgel. O procurador retirou sua petição pela prisão imediata sob
alegação de juntar mais argumentos. Ficou claro que jogava-se, ali, com
tempo. Com a entrada da Justiça em recesso, o que aconteceria quarenta e
oito horas depois, o assunto que poderia ser apreciado por todos os
juízes passaria a ser assunto apenas do presidente do Supremo.
Durante todo o julgamento, o relator Barbosa foi visto pelos
observadores muito mais como um promotor, sua posição original no Poder
Judiciário, do que como um magistrado. Enfureceu-se, logo no primeiro
momento, diante de uma observação do revisor Ricardo Lewandowski para
que os casos dos réus sem direito a foro privilegiado passassem a ser
apreciados em instâncias inferiores e iniciou seu voto na toada da
acusação do procurador geral, invertendo a ordem original do processo.
Dali por diante, se mostrou por diversas inquieto e ríspido diante de
argumentações contrárias às suas certezas. Há quem entenda que Barbosa,
na marcha batida para as condenações, deixou até mesmo de desconsiderar
provas de defesa – as comprovações de gastos de R$ 77 milhões em
markenting no âmbito da diretoria do Banco do Brasil então ocupada pelo
réu Henrique Pizzolato.
A postura de Barbosa valeu a ele a glória popularidade. O juiz entrou
até mesmo para o elenco nacional de presidenciáveis, rol do qual ele se
excluiu, num certo sentido, sob a alegação de ser sincero demais para o
cargo, como disse a uma agência internacioanal de notícias. Faltou, ali,
no entanto, a ênfase negativa mostrada ao vivo para todo o País, mas é
direito dele dizer um não com jeito de talvez.
Agora, porém, é diferente. Ao acatar a petição de Gurgel, com todos os
seus pares no Supremo em recesso, Barbosa estará concedendo a si mesmo
um peso maior do que todo o plenário. Dentro as regras, repita-se, mas a
partir de uma manobra típica das madrugadas mais obscuras das
assembleias de movimento estudantil. Aquelas em que, com todos já
exauridos, evita-se uma decisão colegiada para uma solução de bastidor.
Barbosa teve a chance, com o pedido do decano Mello, de deixar com o
plenário do Supremo a decisão da prisão imediata dos condenados, mas,
possivelmente por receio de uma frustração, driblou os magistrados e
bateu o martelo de modo a puxar para si, sozinho, o direito de consumar a
decisão sobre a início das execuções penais.
A dúvida que assalta Barbosa agora é profunda. Ele sabe, naturalmente,
que estará criando um ambiente de convivência próximo ao insuportável,
com seus colegas togados, se fizer o que o procurador lhe pede: prender
já. Pela postura diante de todo o julgamento, também é isso que o
próprio Barbosa gostaria de determinar. Porém, ficou tão nítido o passa
moleque em expressões como Marco Aurelio Melo, Rosa Webber e Cármen
Lúcia, o decano Mello, o fluminense Luiz Fux, o mais jovem Dias Toffoli,
o conservador Gilmar Mendes e o vice-presidente Lewandowski, que
certamente Barbosa poderá estar se perguntando: como encarar esse
pessoal de frente de novo, com altivez, depois de retirar-lhes o direito
ao voto num caso em que não há consenso? A gestão do presidente Joaquim
Barbosa na presidência do Supremo vai se definir, no campo da ética, a
partir dessa decisão.
Do Blog O TERROR DO NORDESTE.
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