Um religioso dirá que não faltam provas da existência de Deus e da sua
influência em nossas vidas. Quem não tem a mesma convicção não pode
deixar de se admirar com o poder do que é, afinal, apenas uma suposição.
A hipótese de que haja um Deus que criou o mundo e ouve as nossas preces
tem sobrevivido a todos os desafios da razão, independentemente de
provas.
Agora mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às
voltas com a sucessão no comando do seu vasto e rico império, e o
admirável é que tudo — o império, a riqueza e o fascínio dos rituais e
das intrigas da Igreja de Roma — seja baseado, há 2000 anos, em nada
mais do que uma suposição.
Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só
divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas têm causado o
mesmo dano, em nome da hipótese.
Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o
próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e
intolerante para a sobrevivência de Israel.
O fundamentalismo cristão, que representa o que há de mais retrógrado e
assustador no reacionarismo americano, e as religiões neopentecostais
que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o
curandeirismo e a exploração da crendice.
A Igreja Católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para
escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos,
contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem
inspirado as religiões a serem muito religiosas.
Há aquela parábola do Dostoievski sobre o encontro do Grande Inquisidor
com Jesus Cristo, que volta à Terra — o filho da hipótese tornado homem —
para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu
certo.
Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a
ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a
pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a
religião institucionalizada e os privilégios do poder.
Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje,
deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.
Luis Fernando Veríssimo
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