Na falta de uma “crise no setor elétrico”, a oposição brasileira
decidiu enveredar por uma nova vertente: a crítica de moda. Os
estilistas do PSDB gastaram horas para decidir se era ou não vermelho o
terno que a presidenta Dilma Rousseff usou durante o pronunciamento em
cadeia de rádio e televisão no qual anunciou o corte nas tarifas de
luz.
A representação do PSDB faz alusão aos tons da campanha presidencial de 2010, mas erra: o terno usado na tevê não era rubro. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula |
Até o meio da semana, os tucanos tinham certeza de que Dilma usara
vermelho. Em consequência, protocolaram uma representação na
Procuradoria-Geral da República sob o argumento de que o objetivo
subliminar seria promover o partido da mandatária do País, o PT. “A
presidenta Dilma usou roupas vermelhas no pronunciamento oficial em uma
clara referência às roupas vermelhas utilizadas na campanha de 2010 e
nos programas partidários, fazendo alusão à cor do seu partido”, acusa o
documento.
Já seria risível, mas ficou pior. A roupa não era vermelha, mas
cor-de-rosa. “Inclusive combinava perfeitamente com o batom, da mesma
cor”, disse uma fonte do Palácio, tão interessada nas últimas tendências
do mundo fashion quanto o tucanato. O cabeleireiro da presidenta,
Celso Kamura, foi taxativo. “Sem dúvida, rosa chiclete Ping-Pong.” Um
conhecedor profundo de paletas de cores talvez batesse o martelo sobre a
nuance exata do terninho: goiaba. Uma cor em voga neste verão. Dilma,
pelo visto, está por dentro.
Petistas? Na internet, a pergunta: o PSDB também vai interferir nos figurinos de Michelle Obama e Angela Merkel? Fotos: Maria Tama/ Getty Images/ AFP e Bertrand Langlois/ AFP |
Coube ao novo líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, a incômoda
tarefa de ir à Procuradoria, na terça-feira 29, entregar a
representação contra as roupas de Dilma. “Entendemos ser vermelho, mas é
um detalhe pequeno que faz parte de um contexto. Ela pode usar a cor
que bem entender, só quisemos mostrar a mudança no comportamento dela. É
a primeira vez que aparece nessa cor, porque em pronunciamentos
anteriores, como no último, ela vestiu preto com uma renda branca por
cima”, disse o deputado, aparentemente um conhecedor do guarda-roupa
presidencial.
Além do terno de Dilma, o PSDB protestou contra as letras utilizadas no
programa, “parecido”, segundo o partido, com a tipologia usada na
campanha presidencial de 2010. A oposição cita em particular a “grafia
do sobrenome” Rousseff. E contra o que viu como abuso na utilização da
rede nacional de rádio e tevê. “A convocação de redes obrigatórias de
rádio e de televisão somente pode ser realizada quando necessária para
preservação da ordem pública, da segurança nacional ou no interesse da
Administração”, diz a representação, amparada no Regulamento dos
Serviços de Radiodifusão.
Para Sampaio, houve “mudança de padrão” no pronunciamento em relação às
falas anteriores. “A presidenta Dilma fez clara antecipação da
campanha eleitoral. Agiu de maneira a condenar a existência da oposição e
tratou a oposição como sendo pessoas que não amam o País”, queixou-se o
deputado. “O conceito de República foi abandonado”, bradou o
presidente do PSDB, Sérgio Guerra.
Não bastasse o daltonismo, a amnésia dos tucanos é flagrante: o apelo
ao “republicanismo” é discurso fácil, mas em junho de 2002, em pleno
ano eleitoral, o então presidente Fernando Henrique Cardoso convocou
rede nacional para anunciar o pagamento da reposição das perdas que os
trabalhadores brasileiros tiveram no FGTS em razão dos planos Verão e
Collor, o que beneficiou 35 milhões de cidadãos.
“Assim como o Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, os avanços na
saúde e na educação, a reposição do Fundo de Garantia é mais uma
realização que outros governos não conseguiram e este governo
conseguiu”, vangloriou-se FHC, a cinco meses da eleição presidencial,
aquela que levou Lula à Presidência.
Exaltar as virtudes do Plano Real era frequente nos pronunciamentos de
FHC em cadeia nacional durante seu governo. “Nós cuidamos primeiro do
real, para que agora o real possa cuidar das pessoas”, afirmou, em
1997. Por causa desse pronunciamento, a oposição, representada pelo PT,
PDT, PSB e PCdoB, recorreu à época ao Tribunal Superior Eleitoral. A
alegação era idêntica: finalidade “eleitoreira”. A diferença, como de
costume, está no posicionamento da mídia. À época de FHC, ninguém via
desvios ou intenções ocultas em seu comportamento. Já hoje… A
representação do PSDB ancora-se em editoriais e textos da Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Veja com críticas ao pronunciamento “eleitoreiro” e “partidário” de Dilma Rousseff.
Os tucanos, ecoados pela mídia e vice-versa, criticaram o fato de Dilma
se “vangloriar” da redução na conta de luz e, ao mesmo tempo, “atacar”
os que fizeram previsões sem fundamento. Vale ainda a comparação: em
seu primeiro pronunciamento em cadeia de rádio e tevê, em 1995, FHC fez
o quê? Vangloriou-se do sucesso do Plano Real e atacou os
“pessimistas”. “Muitos apostaram que o real iria desmoronar”, disse
FHC. “Pois se enganaram.”
A queixa à Justiça parece uma tentativa de minimizar os efeitos (esses
ainda não mensuráveis) do corte nas tarifas de energia sobre a escassa
simpatia popular ao partido. Antecipada pelo governo para 24 de janeiro
e fixada em 18% no caso das residências e 32%, no da indústria e
comércio, o corte nas tarifas foi uma boa notícia da qual o PSDB não só
não participou como tentou sabotar. Três estados governados pelo
partido – Paraná, Minas Gerais e São Paulo – decidiram não aderir à
Medida Provisória que reviu os contratos das concessionárias, mesmo sob
as críticas dos industriais, os maiores beneficiados. Mas a redução na
conta de luz também ocorrerá nessas áreas.
No Palácio do Planalto, a notícia de que os tucanos tinham entrado com a
representação virou motivo de comemoração. A avaliação geral era de
que a oposição vestiu a carapuça ao se identificar como alvo das
críticas veladas da presidenta, que em nenhum momento citou nomes ou
legendas. E deu a chance de o PT criticar diretamente o principal rival
em seu programa eleitoral na televisão, em maio. Uma possibilidade é
apresentar o PSDB como o partido “a favor da conta de luz cara”.
Nas redes sociais, a chacota era mesmo sobre a tentativa de “proibir”
Dilma de usar vermelho. A cada aparição de uma celebridade em cores
rubras, como a primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, no
baile da posse, estonteante num longo vermelho, ou a bem menos vistosa
chanceler alemã Angela Merkel, repetia-se a piada: “O PSDB vai proibir
também?”
Cynara MenezesNo CartaCapital
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