Nos anos de 1970 e de 1980, o Jornal Nacional da TV Globo se orgulhava
de ter uma média de 80% de audiência. Oscilava entre o primeiro e o
segundo lugares no ranking de popularidade junto ao público da
emissora. Hoje, o JN patina nos 27% de audiência e está no quinto lugar
na lista dos programas mais vistos na Globo, atrás até mesmo do pouco
expressivo seriado Pé na Cova.
Esta brutal mudança de status não pode ser atribuída a alguma defasagem
técnica ou concorrência de outro telejornal. A Globo continua usando o
que há de mais moderno em matéria de tecnologia, mantém o maior e mais
bem pago plantel de jornalistas da tevê brasileira e nenhuma outra
emissora consegue bater a Vênus Platinada em matéria de coberturas
internacionais, de temas políticos ou econômicos, e na mobilidade das
equipes de reportagem. Só enfrenta alguma concorrência da TV Record na
cobertura de crimes, tragédias e escândalos sociais.
Pode-se alegar que a concorrência do canal fechado GloboNews – e seus
similares na Band e Record – tenha levado os públicos A e B para um
nicho informativo mais exclusivo, deixando a tevê aberta como um reduto
das classes C e D, supostamente menos interessadas em jornalismo. Mas
acontece que tanto o Jornal Nacional como seus similares na tevê paga
seguem estritamente o mesmo modelo jornalístico, a mesma fórmula para
lidar com a audiência.
A explicação para a perda de audiência do Jornal Nacional está fora da
emissora. Está nos quase 150 milhões de brasileiros que todas as noites
ligam a tevê. Este público perdeu a atração quase mística pelo
noticiário na televisão, como acontecia entre os anos de 1970 a 1990,
passando para um posicionamento desconfiado, distante e cético. A
narrativa telejornalística deixou de ser discursiva para ganhar ares
menos ufanistas, menos formalista e mais próxima da realidade, mas nem
isso fez com que o telespectador baixasse a guarda.
Esse comportamento não é exclusivo do telespectador, pois também o
leitor de jornais e de revistas é, sobretudo, um cético quando se trata
de avaliar publicações. Em qualquer conversa sobre o noticiário
impresso ou audiovisual, o número de críticas sempre supera – por larga
margem – a quantidade de elogios.
Há 20 ou 30 anos, as pessoas discutiam os fatos, dados e eventos
noticiados na tevê e nos jornais. Hoje, o leitor e o telespectador se
mostram mais preocupados em identificar quem está por trás da notícia,
quem são os beneficiários e os prejudicados. Ao longo dos anos, o
público, de maneira geral, começou a perceber que os entrevistados e
protagonistas do noticiário estavam mais preocupados com sua imagem
pessoal do que com a informação. Que os eventos cobertos estavam ligados
a interesses políticos, comerciais ou econômicos.
Como a imprensa raras vezes questionou esse tipo de comportamento, as
pessoas assumiram, consciente e inconscientemente, que era necessário
ter um pé atrás ao receber sua dose diária da realidade filtrada pelas
redações. A sofisticação crescente do marketing pessoal, social,
político e corporativo torna inevitável que celebridades, parlamentares,
governantes e executivos tentem projetar para o público percepções que
lhes sejam favoráveis. Pode ser eticamente nebuloso, mas é a regra do
jogo.
O erro está no papel da imprensa que, em vez de questionar esse tipo de
postura marqueteira, ou pelo menos identificar os interesses ocultos,
simplesmente passou a publicar tudo o que recebia como informação,
desde que fosse fornecido por fontes respeitáveis. A confiabilidade de
dados e fatos deixou de estar atrelada a uma checagem jornalística para
ficar pendente do status da fonte. Os jornais, revistas e telejornais
se preocuparam mais com os formadores de opinião e tomadores de
decisões do que com o público, que foi aos poucos perdendo a confiança
naquilo que lhe era oferecido como sendo a verdade dos fatos.
A imprensa está pagando caro por esse erro estratégico porque a crise
no modelo de negócios provocada pelas novas tecnologias de comunicação e
informação fez com que ela se tornasse mais dependente do consumidor
de notícias, justo no momento em que cresce o ceticismo e desconfiança
do público em relação ao noticiário corrente. Ceticismo que assume
proporções endêmicas no público jovem, com menos de 35 anos e que em
breve estará na liderança dos governos, das organizações sociais e das
empresas.
A solução para esse problema não está em tecnologias mais sofisticadas,
mas na revisão das estratégias editoriais que priorizam os interesses
das fontes e das empresas jornalísticas. O jornalismo tem em seu DNA a
prestação de serviços ao público, e é aí que ele pode encontrar novas
fórmulas de relacionamento com leitores, ouvintes, telespectadores e
internautas.
Trata-se de uma escolha histórica porque, se ela não for feita,
corremos o risco de desperdiçar toda a experiência e sabedoria de várias
gerações de jornalistas que têm muito a transmitir para os novos
profissionais e amadores. Estes inevitavelmente vão mudar a imprensa
porque já nasceram com um chip digital embutido em sua cultura
informativa. Mas também inevitavelmente passarão por muitas decepções e
revezes porque a experiência é única e insubstituível.
Se as atuais empresas jornalísticas ignorarem o público como seu
parceiro para continuar a vê-lo apenas como comprador de notícias, elas
não sobreviverão e serão substituídas por outras. O preço a ser pago é o
desperdício de quantidades imensas de informação acumuladas ao longo
dos anos e que podem virar sucata junto com marcas jornalísticas
centenárias.
Carlos CastilhoNo Limpinho&Cheiroso
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