Por Carlos Castilho, do portal Observatório da Imprensa
Nos anos 1970 e 80, o Jornal Nacional da TV Globo se orgulhava de ter
uma média de 80% de audiência. Oscilava entre o primeiro e o segundo
lugar no ranking de popularidade junto ao público da emissora. Hoje, o
JN patina nos 27% de audiência e está no quinto lugar na lista dos
programas mais vistos na Globo(1),atrás até mesmo, do pouco expressivo
seriado Pé na Cova. [Dados de audiência publicados pelo suplemento "TV
Show", do jornal Diário Catarinense, do grupo RBS, afiliada da Rede
Globo, em 24/2/2013.]
Esta brutal mudança de status não pode ser atribuída a alguma defasagem
técnica ou concorrência de outro telejornal. A Globo continua usando o
que há de mais moderno em matéria de tecnologia, mantém o maior e mais
bem pago plantel de jornalistas da TV brasileira e nenhuma outra
emissora consegue bater a Vênus Platinada em matéria de coberturas
internacionais, de temas políticos ou econômicos, e na mobilidade das
equipes de reportagem. Só enfrenta alguma concorrência da TV Record na
cobertura de crimes, tragédias e escândalos sociais.
Pode-se alegar que a concorrência do canal fechado Globo News – e seus
similares na Band e Record – tenha levado os públicos A e B para um
nicho informativo mais exclusivo, deixando a TV aberta como um reduto
das classes C e D , supostamente menos interessadas em jornalismo. Mas
acontece que tanto o Jornal Nacional como os seus similares na TV paga
seguem estritamente o mesmo modelo jornalístico, a mesma fórmula para
lidar com a audiência.
A explicação para a perda de audiência do Jornal Nacional está fora da
emissora. Está nos quase 150 milhões de brasileiros que todas as noites
ligam a TV. Este público perdeu a atração quase mística pelo noticiário
na televisão, como acontecia entre os anos 1970 a 90, passando para um
posicionamento desconfiado, distante e cético. A narrativa
telejornalística deixou de ser discursiva para ganhar ares menos
ufanistas, menos formalista e mais próxima da realidade, mas nem isso
fez com que o telespectador baixasse a guarda.
Esse comportamento não é exclusivo do telespectador, pois também o
leitor de jornais e de revistas é, sobretudo, um cético quando se trata
de avaliar publicações. Em qualquer conversa sobre o noticiário impresso
ou audiovisual, o número de críticas sempre supera – por larga margem –
a quantidade de elogios.
Há 20 ou 30 anos, as pessoas discutiam os fatos, dados e eventos
noticiados na TV e nos jornais. Hoje, o leitor e o telespectador se
mostram mais preocupados em identificar quem está por trás da notícia,
quem são os beneficiários e os prejudicados. Ao longo dos anos, o
público, de maneira geral, começou a perceber que os entrevistados e
protagonistas do noticiário estavam mais preocupados com sua imagem
pessoal do que com a informação. Que os eventos cobertos estavam ligados
a interesses políticos, comerciais ou econômicos.
Como a imprensa raras vezes questionou esse tipo de comportamento, as
pessoas assumiram, consciente e inconscientemente, que era necessário
ter um pé atrás ao receber a sua dose diária da realidade filtrada pelas
redações. A sofisticação crescente do marketing pessoal, social,
político e corporativo torna inevitável que celebridades, parlamentares,
governantes e executivos tentem projetar para o público percepções que
lhes sejam favoráveis. Pode ser eticamente nebuloso, mas é a regra do
jogo.
O erro está no papel da imprensa, que em vez de questionar esse tipo de
postura marqueteira, ou pelo menos identificar os interesses ocultos,
simplesmente passou a publicar tudo o que recebia como informação, desde
que fosse fornecido por fontes respeitáveis. A confiabilidade de dados e
fatos deixou de estar atrelada a uma checagem jornalística para ficar
pendente do status da fonte. Os jornais, revistas e telejornais se
preocuparam mais com os formadores de opinião e tomadores de decisões do
que com o público, que foi aos poucos perdendo a confiança naquilo que
lhe era oferecido como sendo a verdade dos fatos.
A imprensa está pagando caro por esse erro estratégico porque a crise no
modelo de negócios provocada pelas novas tecnologias de comunicação e
informação fez com que ela se tornasse mais dependente do consumidor de
notícias, justo no momento em que cresce o ceticismo e desconfiança do
público em relação ao noticiário corrente. Ceticismo que assume
proporções endêmicas no público jovem, com menos de 35 anos e que em
breve estará na liderança dos governos, das organizações sociais e das
empresas.
A solução para esse problema não está em tecnologias mais sofisticadas,
mas na revisão das estratégias editoriais que priorizam os interesses
das fontes e das empresas jornalísticas. O jornalismo tem no seu DNA a
prestação de serviços ao público, e é aí que ele pode encontrar novas
fórmulas de relacionamento com leitores, ouvintes, telespectadores e
internautas.
Trata-se de uma escolha histórica porque, se ela não for feita, corremos
o risco de desperdiçar toda a experiência e sabedoria de várias
gerações de jornalistas que têm muito a transmitir para os novos
profissionais e amadores. Estes inevitavelmente vão mudar a imprensa
porque já nasceram com um chip digital embutido em sua cultura
informativa. Mas também inevitavelmente passarão por muitas decepções e
revezes porque a experiência é única e insubstituível.
Se as atuais empresas jornalísticas ignorarem o público como seu
parceiro para continuar a vê-lo apenas como comprador de notícias, elas
não sobreviverão e serão substituídas por outras. O preço a ser pago é o
desperdício de quantidades imensas de informação acumuladas ao longo
dos anos e que podem virar sucata junto com marcas jornalísticas
centenárias.
Do Blog O TERROR DO NORDESTE.
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