As revelações de ex-ministro José Dirceu sobre os bastidores da campanha de José Fux à Suprema Corte não são novas.
Tampouco singulares do percurso trilhado pela maioria dos integrantes daquela instituição.
Joaquim Barbosa, por exemplo.
Valeu-se de um encontro fortuito com Frei Betto para fazer chegar sua
aspiração e seu currículo à Presidência da República, exercida por
Lula.
Assim por diante.
Embora conhecido, o percurso de Fux nem por isso deixa de inspirar um
misto de constrangimento e perplexidade pelo avançado despudor que
revela no acesso a um posto, teoricamente, reservado à sobriedade e à
isenção.
Relata Dirceu ter sido procurado em 2010 pelo então ministro do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), em garimpagem de apoios à indicação
para o STF.
Seis meses após intenso assédio, o ex-chefe da Casa Civil aquiesceu em
receber Fux no escritório de advocacia de um amigo, cujo titular, por
certo, pode atestar a veracidade do encontro.
Pregoeiro de um leilão em que era a própria mercadoria, Fux teria
ofertado a Dirceu o seu voto de absolvição no julgamento da AP 470.
Dirceu, por certo, tem testemunhos que podem reiterar seu relato.
O silêncio de Fux é eloquente.
O que ele fez de sua promessa é igualmente sabido e revelador.
Não cabe discutir o caráter dos escolhidos para o STF.
Mas o saldo do método não é dos melhores. E isso diz respeito à democracia.
Desvios de comportamento, que vão da vaidade efervescente, ao
desequilíbrio ostensivo no exercício de um missão, em si, credora de
predicados opostos, foram – tem sido – cumulativamente testemunhados
pela sociedade.
Poucos, se é que cabe ombrear alguém à dignidade solitária do ministro
Ricardo Lewandowski, declinaram da genuflexão desfrutável pelo enredo
conservador montado em torno do julgamento da AP 470.
Fux, por certo, não foi um deles.
E a tal ponto, que empresta pertinência à dúvida.
O que mais teria prometido Fux, e a quem, ao longo de um julgamento que
se tornou explicitamente político, com juízes banhando-se nus nas
águas de uma sintonia eleitoral escrachada, sem pejo, nem apego
decência?
O tempo não regenera os pilares trincados daquele espetáculo midiático,
em que provas inexistentes foram supostas, e dúvidas incontornáveis
foram torneadas em formato de condenação. (Leia aqui a edição especial da revista Retrato do Brasil, do jornalista Raimundo Pereira, sobre as falhas gritantes no julgamento).
A resistência do ministro Joaquim Barbosa ao legítimo direito de acesso
aos votos e aos prazos de recursos pleiteados pela defesa do acusados,
ademais de arbitrária, transpira suspeitas.
O conjunto empresta contundente atualidade ao debate ora em curso na Argentina.
A Presidenta Cristina Kirchner acaba de enviar ao Congresso seis
projetos destinados a democratizar as instâncias do judiciário no país.
Um deles preconiza a eleição direta, pela população, de membros do Conselho da Magistratura.
O Conselho argentino julga desvios e desmandos de juízes e advogados.
Integrado por personalidades eleitas pelo voto direto, como preconiza a
reforma, seu poder de quebrar o corporativismo e desguarnecer a
impunidade no judiciário cresce significativamente.
Não por acaso, a oposição, que se valeu do Judiciário para barrar a Ley de Meios, já se manifesta contrária à mudança.
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça é recente, tendo sido criado apenas em 2004.
É formado por 15 membros:
- nove integrantes dos Tribunais Superiores e das Justiças Federal, Estadual e do Trabalho;
- dois integrantes do Ministério Público;
- dois advogados;
- dois cidadãos ‘com notável saber jurídico e reputação ilibada’.
O mandato é de dois anos. E as indicações são autorreferentes.
Como acontece no caso das agencias reguladoras, capturadas pelos
regulados, os fiscalizados aqui tem influencia determinante na
nomeação dos fiscais.
Uma das funções do CNJ, porém, é assegurar que os magistrados ‘julguem com imparcialidade’.
Fosse composto de personalidades eleitas pelo voto da sociedade, o que
diria o CNJ do comportamento esvoaçante, digamos assim, de magistrados
como o senhor Fux?
O desassombro do governo argentino sugere mais que isso.
A composição da Suprema Corte brasileira obedece a uma mecânica de
indicação mais antidemocrática que a do Vaticano na escolha do Papa.
O caso do ministro Fux é ilustrativo de um vício de origem que acolhe
as naturezas mais voluntariosas e melífluas. Nem por isso as mais
condizentes com as expectativas e compromissos intrínsecos às obrigações
daquela corte.
Por que não democratizar esse processo, se não pelo voto direto,
imediato, ao menos para livra-lo das sombras de onde emergem os ‘Fux’
e assemelhados?
A ver.
Saul LeblonNo CartaMaior
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