sábado, 11 de maio de 2013

A vinda de médicos do exterior, uma questão de saúde pública

Luis Nassif Online 
Por Rogerio Diaferia Rossi 
Em meio a essa polêmica de médicos cubanos e revalidação de diplomas. Eu que sou médico brasileiro e estrangeiro, que trabalhei alguns anos em áreas inóspitas como hospitais e postos de saúde dentro de favelas, e também em hospitais públicos e privados de centros urbanos, que fui coordenador de pronto atendimento, que trabalhei até no meio do mar sem auxílio de profissionais de enfermagem, vou deixar minhas reflexões...
A primeira é que considerei mais do que injusto o longo, tortuoso, e caríssimo processo por que passei para ser médico no Canadá. Mesmo tendo cursado ótima faculdade pública que é pertencente da FAIMER (http://www.faimer.org/), tendo feito 2 anos de internato (aqui no Canadá eles não fazem); Antes de entrar na residência eu tive que passar em 3 provas que os canadenses só fazem durante ou depois dela! Mas isso não ocorre para todos, pois médicos ingleses, franceses e dos EUA tem diploma automaticamente revalidado. O Canadá necessita muito de médicos, pois existe um funil rumo aos enormes salários dos EUA, mas nem por isso eles facilitam a vida de profissionais preparados que já vivem aqui. Existem milhares de médicos do mundo todo nos caixas de supermercado, dirigindo táxi aqui, e isso mesmo depois de já terem passado nas provas. E existe mesmo aqui, meus caros, uma numerosa população carente de médicos, só para não esquecermos que o mundo não gira ao redor dos umbigos dos diplomados em medicina...
Em seguida, conto que conheço de perto 10 médicos que fizeram medicina em Cuba, trabalhei de perto com eles e posso afirmar que suas condutas e posturas foram mais corretas e éticas do que a da maioria dos colegas brasileiros com que convivi. Cada uma que eu já vi... sem contar que meu pai morreu de enfarte após ter esperado por 9 horas em um pronto socorro público o médico que estava incomunicável por BIP... 
Em terceiro, pergunto: os médicos brasileiros passam por algum processo de permissão de exercício no Brasil? Resposta: não. É só se formar em faculdades sem hospital, sem acesso a internato ou à rotação em atenção básica e já podem portar o porte de arma mais conhecido como CRM. Nos países sérios, se é isso que vocês tanto querem para o Brasil, o médico só pode trabalhar depois de ter passado no exame de ordem do CRM, depois de ter feito residência e depois de ter passado na prova de título de sua especialidade. Vocês realmente acham que um formado de Presidente Prudente e afins é melhor preparado do que um de Cuba???
Falando nisso, em quarto, eu pergunto, qual é a qualidade dos profissionais que atendem emergências e atenção básica públicas no Brasil? Resposta: a enorme maioria não fez nenhuma residência médica, pula de um emprego para o outro atrás do melhor pagamento, falta mais do que trabalha, chegam quase sempre atrasados aos plantões, poucos possuem certificação de ressuscitação ou de trauma, valorizam os empregos caixa 2 para não pagar imposto. Nos anos em que trabalhei no PSF (Programa de Saúde da Família) vi a enorme rotatividade de médicos em busca de mais privilégios, como dia de folga remunerado (day-off), flexibilidade de horário (poder não cumprir o horário), benefícios e salários maiores. Os pacientes das favelas em que trabalhei, sempre falavam que sabiam que o médico (muitas vezes eu) não iriam durar mais do que alguns meses... Muito triste, ainda mais nessas situações onde os cuidados necessários são contínuos.
Enquanto coordenador da UPA, confesso que só consegui fechar a escala às custas de um salário muito maior. Um pediatra ganha de 750 a 900 reais por 12 horas na região de Campinas, lá se paga 1.400,00 durante a semana e 1.500,00 de fim de semana. Assim era fácil, eu escolhia os melhores. Mas tive que demitir vários picaretas que tratavam a população, o serviço e os funcionários com todo desrespeito. Plantoneiros de carreira que saem de um plantão e vão para o outro sem dormir e sempre atendem com o pior dos humores. E Jaguariúna fica somente há 15 minutos de uma grande cidade como Campinas. Como deve ser no sertões do nordeste, onde o médico além de se sentir um deus, sente e age como coronel... 
A saúde brasileira necessita de muita coisa, de muito investimento, de muita competência, principalmente por parte dos médicos. Mas o que ela mais necessita, é de respeito, de pessoas que valorizem o sofrimento do povo mais vulnerável, os pobres. E os médicos que criticam tanto o governo do PT, não criticaram o governo do PSDB que demorou um ano para aprovar o plano de carreiras dos médicos servidores públicos. Por que será? Eles estão é mais interessados em entrar nas residências médicas que mais dão dinheiro e comodidade, como consultório particular lotado. Prova disso é sermos campeões mundiais em cirurgias plásticas estéticas, continuarmos a priorizar a cesárea ao invés do parto vaginal, termos centenas de concorrentes para dermatologia ou endocrinologia para 2 ou 3 vagas, e, às vezes, nenhum candidato para cursar medicina de família e comunidade. 
O Brasil necessita de mais médicos nas periferias e áreas rurais SIM. Vocês querem ir trabalhar lá? Dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil existe 1,8 médico para cada mil habitantes. Na Argentina, a proporção é de 3,2 médicos para mil habitantes e, em países como Espanha e Portugal, essa relação é de 4 médicos. No início do ano, os prefeitos que assumiram apresentaram ao governo federal uma série de demandas na área de saúde. Entre os pontos destacados estava a dificuldade de atrair médicos para as áreas mais carentes, para as periferias das cidades e para o interior. O governo brasileiro pretende atrair não somente médicos cubanos para trabalhar nas regiões mais carentes do País, mas também profissionais de Portugal e da Espanha.
Vejo que isso se trata muito mais de uma questão de saúde pública, do que proteção de nicho de mercado de um classe já muito privilegiada. Mas claro que o PT e Cuba são sempre motes para as mais reacionárias indignações.
Bisous a tous!

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