o ativismo que garante direitos
fundamentais não é o mesmo que suprime
soberania
Logo após a indicação para assumir uma vaga no Supremo Tribunal
Federal, o advogado Luis Roberto Barroso afirmou em uma palestra que
“decisão política deve ser tomada por quem tem votos”.
A declaração foi saudada por políticos e soou como uma crítica à recente intromissão do Supremo na área legislativa.
À primeira vista, pode até parecer contraditória, dita por quem tem sido
um dos principais responsáveis por pautar o ativismo no Judiciário.
Afinal, decisões como o reconhecimento da união homoafetiva e a
legalidade do aborto do feto anencéfalo, por exemplo, vieram de ações
movidas de sua pena.
Foram essas sentenças, aliás, que motivaram a ira da bancada religiosa,
justamente onde nasceu a PEC 33, que afirma pretender coibir o ativismo.
Não há, todavia, qualquer incoerência ─ antes uma correção de rumo que a
chegada de Barroso pode ajudar a equilibrar, seja no STF, seja no
Parlamento.
O ativismo judicial se justifica para fazer cumprir direitos
fundamentais que, pela omissão do Congresso ou negligência das
administrações, vinham sendo solenemente ignorados. Seja pela ausência
de adequação legal aos princípios da Constituição, seja pela falta de
políticas públicas que viabilizem o exercício destes direitos.
A postura tradicionalmente omissa do Judiciário nesse campo, resultava,
enfim, em avalizar o que na prática correspondia à
desconstitucionalização de certas garantias ─ transformando-as em letras
mortas de pura poesia, ou normas programáticas com mero valor
simbólico.
A perversão do dogmatismo jurídico representou por longos anos uma
redução do horizonte interpretativo e convenceu juízes a entender que
tinham competência para decidir todas as causas, menos as mais
relevantes (que envolviam os demais Poderes) e que cumpriam todas as
leis, menos as fundamentais (a Constituição).
O ativismo judicial do qual despertou o STF, em muitos casos a reboque
das instâncias inferiores, inaugurou outro momento da vida judicial no
país: a compreensão de que os princípios condicionam as regras (e não
são apenas empregados nas lacunas, ou seja, na falta de lei) e que
omissões de regulamentação não podiam impedir ou dificultar o exercício
de direitos fundamentais.
Assim, o resgate da isonomia, regra basilar da democracia, e o prestígio
da dignidade humana, objetivo primeiro da República, vêm sendo
empregadas para redefinir conceitos legais, e impedir que uma legislação
ainda anacrônica frustre a vigência por inteiro da Constituição.
São dessa lavra, as decisões que corretamente contextualizaram a
isonomia na constituição de novas famílias ou que determinaram a
realização de políticas públicas para cumprir obrigações estatais
emanadas do direito à educação e saúde.
Mas este percurso não é nada fácil e a sedução do poder não pode ser
desprezada, principalmente pela conformação do STF que saiu extremamente
fortificado na reforma do Judiciário ─ com a ampliação de ações
diretas e o indisfarçável direito a legislar nas súmulas vinculantes.
O tribunal já esteve à beira de condicionar a autorização do uso de
células-tronco embrionárias a uma comissão que nem sequer existia na
lei.
No caso Battisti, advogado pelo próprio Barroso, quase abandonou sua
função de controle da legalidade na extradição para se substituir ao
chefe de Estado na condução da política internacional.
No âmbito eleitoral, abonando o TSE, acabou por criar regras e prazos de
fidelidade partidária que não constavam nem implicitamente da
Constituição, além de disciplinar número de vereadores com base numa
aplicação para lá de extensiva do princípio da proporcionalidade.
Mais recentemente, o STF vetou a análise de veto presidencial no caso
dos royalties do Pré-Sal, pela inversão de ordem cronológica, e sustou
andamento de projeto legislativo, supostamente pela pressa que indicaria
casuísmo ─ ainda que o controle do tempo no próprio STF esteja cercado
de pouco rigor, como processos julgados com extrema agilidade
convivendo com outros que aguardam anos para uma decisão final (como,
por exemplo, a legitimidade da investigação criminal pelo MP).
A indicação de Barroso pode ajudar a recolocar na pauta a ideia central
que norteia o ativismo: sim à garantia de direitos fundamentais
sonegados pela omissão dos demais poderes; não ao ativismo regressivo,
que apenas invade e substitui a soberania popular, contraindo
justamente os direitos que lhe incumbia tutelar.
Marcelo SemerNo Sem Juízo
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