Roberto Civita morreu. Não sou daqueles que se regozijam pelo
falecimento de alguém, pelo contrário, lamento por seu familiares e
amigos. Não tem o que comemorar em uma morte.
A morte de Roberto Civita não irá mudar a linha editorial na editora
Abril, pelo contrário. Sem "festejos" ou "lamentos", não pretendia
dedicar nenhuma linha a este fato aqui no blog. No entanto, após ler
algumas das barbaridades que estão sendo publicadas pelos funcionários
da Abril na sua revista principal revista: a Veja, não pude me furtar de
fazer alguns comentários a respeito.
Era esperado que fossem publicadas uma grande quantidade de matérias
exaltando as inúmeras e variadas qualidades que, supostamente, o
falecido dono da revista tinha. Afinal, se nem a Veja rasgar elogios
para o falecido patrão, quem o faria?
No entanto, estes elogios exagerados, ainda que esperados,
tem caído naquilo que é a maior especialidade da Veja nos últimos anos: a
mentira sobre os fatos.
Morreu o criador da Veja?
A começar pela própria manchete principal do site da revista, onde ela
afirma que seria Roberto Civita o "criador de Veja". Na verdade foi Mino
Carta (hoje editor da revista Carta Capital) o criador. O pai de
Roberto Civita, Victor, é que teve a ideia de fazer uma revista semanal
de informações. Para esta tarefa chamou o Mino, que já tinha dirigido a
Quatro Rodas na Abril, para criá-la. Estes fatos são amplamente
conhecidos, uma rápida googlada comprovará a "paternidade" da revista.
No entanto, é importante registrar que há uma meia-verdade nesta
manchete da Veja: foi Roberto Civita que redefiniu a revista para seus
padrões atuais. Foi Roberto que impulsionou a revista em sua atual
orientação editorial, tornando a Veja a principal publicação do
conservadorismo brasileiro, mais do que isso, a converteu em uma
publicação de um notório reacionarismo delirante.
Roberto Civita, de aliado a opositor da ditadura
Roberto Civita tinha relações estreitas com a ditadura. Um bom exemplo desta relação foi a saída do Mino Carta da Veja.
Conforme o próprio Mino relatou em editorial publicado na Carta Capital (ed. 661/2010): “Veja sofria censura feroz”, conta ele no editorial, “enquanto a Editora Abril pretendia um empréstimo de 50 milhões de dólares (estamos em meados dos anos 70) para consolidar no Brasil dívidas contraídas no exterior. O próprio ditador Geisel, pela boca de Armando Falcão, ministro da Justiça (Justiça?), decretou seu niet, a não ser que se livrassem do acima assinado. Quem tiver dúvidas a respeito, leia o livro Fragmentos de Memória, de Karlos Rischbieter (Travessa dos Editores, 2007), que presidia então a Caixa Econômica Federal, à qual a Editora Abril recorrera”.
Conforme o próprio Mino relatou em editorial publicado na Carta Capital (ed. 661/2010): “Veja sofria censura feroz”, conta ele no editorial, “enquanto a Editora Abril pretendia um empréstimo de 50 milhões de dólares (estamos em meados dos anos 70) para consolidar no Brasil dívidas contraídas no exterior. O próprio ditador Geisel, pela boca de Armando Falcão, ministro da Justiça (Justiça?), decretou seu niet, a não ser que se livrassem do acima assinado. Quem tiver dúvidas a respeito, leia o livro Fragmentos de Memória, de Karlos Rischbieter (Travessa dos Editores, 2007), que presidia então a Caixa Econômica Federal, à qual a Editora Abril recorrera”.
E conclui: “Tirei o meu modesto time de campo antes da expulsão. Pela
elementar razão de que me recusava a negociar minha saída. Quem sabe
levasse um bom dinheiro, espécie de comissão sobre o empréstimo da Caixa
a ser concedido juntamente com o fim da censura. Ocorre que não queria
um único, escasso centavo saído dos bolsos de Victor e Roberto Civita.
Vici e Arci: assim hão de ser pronunciadas suas iniciais”.
O empréstimo aconteceu e Mino abandonou a revista Veja.
A foto a cima ilustra bem esta relação umbilical que havia entre o
empresário da comunicação e a ditadura. Roberto Civita é visto nessa
foto atrás do general João Figueiredo e ao lado do jornalista Augusto
Nunes (Revista Veja) e de Elio Gaspari. Em primeiro plano, o "honrado"
Paulo Maluf.
Roberto Civita como defensor da democracia
Se as suas ligações com a ditadura militar já seriam motivos para
colocar em dúvida uma alcunha de "defensor da democracia" para Roberto
Civita, as suas recentes atividades como um dos maiores impulsionadores
do Instituto Millenium colocam em xeque está afirmação.
O instituto é integrado por empresários, executivos, jornalistas,
economistas, comentaristas políticos e até humoristas que trabalham para
a grande imprensa e destilam um discurso que flerta com o moralismo
udenista. Instituto Millenium inspira-se nas extintas Ipes e o Ibad,
organizações que datam do fim dos anos 1950 e início dos anos 1960 e que
foram criadas para combater os movimentos sociais e o comunismo.
Naquela oportunidade, tiveram um papel central para o golpe militar de
64. Tanto o Ibad quanto o Ipes serviram, como o Millenium, para
organizar um fórum multidisciplinar, com forte financiamento
empresarial, calcado no anticomunismo e na ideia de que o Brasil, como o
mundo, estava prestes a cair na mão dos subversivos.
Derrotada nas urnas, o Millenium é uma tentativa de reproduzir este
expediente em uma nova conjuntura, a ideia de um golpe, ainda que
impraticável, não deixa de povoar o pensamento dos organizadores deste
instituto. Roberto Civita era mais do que um simples apoiador, tinha
posicionado a editora Abril como a principal "espinha dorsal" desta
organização direitista e claramente anti-democrática.
Algo que, evidentemente, jamais será escrito ou comentado nas páginas da Veja.
Erick da SilvaNo Aldeia Gaulesa
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