Do Diário do Centro do Mundo - 30/4/2013
Um livro traz respostas interessantes e perturbadoras.
Paulo Nogueira
Leia O Menino de Guantanamo, da escritora inglesa Anna Perera. Uma versão em português foi lançada no Brasil pela Editora Agir.
Neste momento em
que escrevo, uma greve de fome dos prisioneiros comove o mundo
progressista. Cem dos 166 detentos aderiram ao protesto. Muitos estão
sendo alimentados à força. O governo americano enviou médicos e
enfermeiras para ajudar a lidar com o problema.
E Obama, o
sorridente e inoperante ocupante da Casa Branca, mais uma vez falou em
fechar Guantanamo, uma promessa da campanha de 2008.
O Menino de
Guantanamo é uma ficção baseada na realidade. Khalid é um adolescente
inglês. Seus pais são paquistaneses, e acabaram indo para a Inglaterra,
como tantos conterrâneos, para fugir da miséria de seu país. Para os
ingleses era uma coisa boa, porque os imigrantes representavam mão de
obra barata para funções humildes que os nativos não estavam nem um
pouco interessados em realizar eles próprios.
Khalid vai visitar a terra dos pais.
Mas havia um fato
novo e destrutivo lá. Os Estados Unidos, na chamada Guerra ao Terror,
estavam dando um dinheiro considerável a pessoas que denunciassem
suspeitos de terrorismo. Era uma cifra que equivalia a meses, talvez
anos de trabalho na miséria paquistanesa. Muitas pessoas inescrupulosas,
para pegar o dinheiro, fizeram denúncias sem fundamento. Como não havia
julgamento, como não havia advogado de defesa, como não havia
procedimento legal nenhum, o delator ganhava uma pequena fortuna sem
risco de descobrirem que ele mentira.
O acusado ia parar em Guantanamo.
É essa a história
de Khalid. É essa a história de cerca de 60 garotos presos no Paquistão e
no Afeganistão em situação obscura e enviados a Guantanamo. Pais e mães
desesperados simplesmente não voltaram a saber de seus filhos. Na
prisão as crianças foram tratadas como “combatentes do inimigo”, para
usar uma expressão que vi dita num vídeo, pronunciada por um oficial
americano que trabalhava em Guantanamo.
Só que os meninos
“combatentes”, como mostraram os vazamentos realizados pelo Wikileaks,
eram garotos inocentes como o Khalid do livro de Anna.
O que os Estados
Unidos fizeram em Guantanamo é comparável ao que os soviéticos fizeram
nos gulags tão bem descritos por Solzenitzen: reduzir o ser humano a
nada. Subtrair pessoas do convívio com familiares, amigos, enviá-las a
terras distantes e submetê-las a atrocidades.
Recomendei a minha
filha Camila vivamente que leia este livro. Disse a ela que sugira aos
professores que peçam aos alunos que leiam e discutam.
É uma aula – doída, mas essencial — de história contemporânea.
Paulo Nogueira. Jornalista , baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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