sexta-feira, 24 de maio de 2013

Sem querer, Luís Roberto Barroso, lançou a visão de que julgamento político do mensalão foi só até a metade

Boa ou ruim a escolha de Luís Roberto Barroso para ministro do STF? Por seu currículo e atuação como advogado em causas de interesse público, tem perfil progressista. Mas Joaquim Barbosa e Luis Fux também tinham, e deu no que deu. Então é difícil saber se será republicano, como se espera, depois de empossado, ou susceptível às pressões da mídia e dos holofotes como ocorreu com outros.
A presidenta Dilma deve ter tomado cuidado na escolha, mas só o tempo poderá dizer.

Como advogado de causas privadas, não conta muito para avaliar o perfil de Barroso, pois advogado tem que defender sempre o interesse do cliente. Então a visão pessoal pode até ser diferente daquilo que defende para o cliente. Recentemente ele trabalhou defendendo os interesses das empresas de mídia nacional contra a entrada no mercado de novas empresas jornalísticas estrangeiras. Como trata-se do interesse da Globo, Folha/UOL, Estadão, Veja, em impedir portais de notícias como Terra (controlado pela Telefonica da Espanha), nós blogueiros não gostamos. Se ele fosse advogado da outra parte, provavelmente os argumentos defendidos seriam os inversos. São coisas da advocacia. Nilo Batista foi vice-governador de Leonel Brizola, fiel ao trabalhismo e ao povo mais pobre como político, defendeu muitas causas dos movimentos sociais de graça e, por outro lado, já foi advogado de defesa de Naji Nahas. Marcio Thomaz Bastos foi um bom ministro da Justiça no governo Lula e, como advogado, já defendeu José Serra no passado e chegou a ser contratado para defender o bicheiro Cachoeira recentemente. Continua sendo amigo de Lula. Para os advogados o trabalho é uma coisa, e a vida pessoal e política é outra.

O fato é que Barroso sempre foi um dos nomes mais lembrados para o STF nos últimos tempos. Nos meios jurídicos não quem não o veja como um dos mais qualificados ao cargo.

Mensalão

Enquanto ele não toma posse, a maior curiosidade hoje, é saber como ele atuará no julgamento dos recursos do mensalão. Porém essa curiosidade permanecerá em aberto, pois ele concedeu uma entrevista à revista "Poder" sobre o mensalão, em outubro de 2012, e não deixou escapar pistas sobre como julgaria o caso.

Nessa entrevista, ele foi hábil o suficiente para direcionar as repostas para a defesa da reforma política. Argumentou que a denúncia do chamado "mensalão" decorre das relações fisiológicas no Congresso, e que uma reforma política favoreceria a eleição de melhores quadros parlamentares, além de diminuir a influência do poder econômico em detrimento dos interesses populares. Com isso todos nós concordamos.

Essa habilidade, evitando fazer juízo de valor sobre as decisões do STF no julgamento do "mensalão", sem entrar no mérito das acusações contra os réus, lhe garantiu legitimidade para participar do julgamento dos recursos. Diga-se que, do ponto de vista do que se espera de um juiz, essa postura é louvável, mostrando responsabilidade e cuidado no que fala em público a respeito do que irá julgar e dos limites de um comentarista sem conhecer profundamente os autos. Quem dera todos os magistrados do STF tivessem essa cautela.

Perguntado sobre mudanças de postura do STF no julgamento do mensalão, Barroso fez uma análise distanciada, apontando as mudanças como elas aconteceram, sem declarar-se a favor nem contra. Eis sua resposta:
O Supremo, que sempre teve uma posição bem liberal em defesa do acusado, principalmente do princípio de presunção da inocência, revela uma guinada um pouco mais dura e punitiva, superando, inclusive, alguns precedentes, como no entendimento de que não e mais necessário um documento assinado pelo acusado ou um ato oficial dele para que o crime de corrupção seja configurado. Minha avaliação é que houve certo endurecimento do STF, talvez com resultado de uma interação com a sociedade. Não acho justa a afirmação de que o Supremo seja pautado pela sociedade, mas ele é permeável aos seus anseios. Há uma mudança de postura. Se isso vai ser bom ou mau, o tempo dirá. "
Nota-se que ele adota uma posição mais de cautela do que de entusiasmo. Isso poderia indicar uma postura "garantista", na linha de que seu voto seria mais favorável aos réus sobre quem não há provas. Mas... ele também não se mostra avesso a um endurecimento para atender aos anseios de mudança na sociedade. Impossível decifrar como exatamente seria seu voto.

Em outro trecho ele responde à pergunta "Esse julgamento é político ou técnico?":
É impossível um julgamento desse porte, com essas consequências não ter uma dimensão política. Mas os votos tem sido técnicos. No direito em geral, existem extremos em que há a certeza positiva, a significar que algo aconteceu, e há extremos em que há certezas negativas, quando é possível afirmar que algo não aconteceu. Porém, para o bem e para o mal, entre um extremo e outro, existem muitas possibilidades e aí as interpretações dependerão da visão de cada um. E é isso que estamos vivenciando agora.
Na resposta acima, Barroso evita fazer o julgamento do julgamento, "pisando em ovos". Na posição delicada em que ele se encontrava, de possível ministro do STF, ele não poderia afirmar que o julgamento foi político, tampouco podeira dizer que votos de seus futuros colegas não fossem técnicos. Até porque, cá para nós, existe técnica para todos os gostos, podendo ser usada para dar um verniz de legitimidade às decisões políticas.

Julgamento político só até a metade?

Em outro trecho da entrevista, ele disse:
Portanto se acreditarmos no procurador-geral (...) o interesse público precisou ser comprado. É um sistema que de certa forma joga os bons e maus no mesmo pântano.
Barroso estava apenas argumentando a favor da reforma política, mas, ele, sem querer, acabou despertando um pensamento mais sofisticado no caldeirão do julgamento. Ou seja, se é para julgar politicamente, o julgamento no STF só chegou na metade do caminho. Para completar o caminho teria que haver uma separação dos "bons" e dos "maus" para se fazer justiça completa.

Mensalão tucano

Barroso herdará de Joaquim Barbosa a relatoria do "mensalão" tucano. A princípio ele parece ser mais equilibrado, e se vier a ter uma postura mais garantista no julgamento dos recurso da AP-470, terá também a mesma postura com os tucanos, o que pode ser uma vantagem para a tucanada. Será interessante observar o comportamento da bancada de senadores demotucanos na sabatina no Senado.

Reforma política

Como dito, o tema da entrevista acabou sendo uma defesa da reforma política. Apesar de ser assunto para o legislativo, ele tem direito de opinar como cidadão, e assuntos políticos não judicializados e não partidarizados, a opinião de qualquer cidadão é válida, e não há nenhum mal em ministro do STF emitir, desde que não queira interferir em outros poderes, para impor sua opinião pessoal.

Ele defende mudança na eleição para deputados, com cada eleitor tendo direito a dois votos. Um, o voto ideológico no partido, em lista pré-ordenada, para eleger metade da Câmara. Outro voto seria distrital, elegendo deputado aquele que for mais votado no distrito, como se elege um prefeito. Essa fórmula chama-se voto distrital misto, com lista pré-ordenada.

Cada pessoa tem sua reforma política na cabeça, e não me agrada o voto distrital, mesmo que para eleger apenas metade da Câmara. O Brasil teria que ser dividido em 257 distritos, o que daria distritos com 755 mil habitantes e 539 mil eleitores cada. É um eleitorado muito grande para se dizer que o eleitor conheça bem seu candidato, e também continuaria havendo eleições muito caras nos distritos, pois não é barato fazer uma campanha individual para atingir meio milhão de eleitores. Esses dois fatores tiram as supostas vantagens atribuídas ao voto distrital.

De qualquer forma, se viesse acompanhado do financiamento exclusivamente público de campanha, mesmo com esse sistema misto que agrada metade aos tucanos e metade aos petistas, já seria um avanço, pois o maior mal que há é a influência do poder econômico financiando campanhas.
De qualquer forma, nessa questão, a opinião do futuro ministro vale tanto quanto a sua e a minha. Vale o mesmo que a de qualquer cidadão brasileiro. Não é algo que caiba ao STF decidir.

A íntegra da entrevista de Luis Roberto Barroso à revista "Poder" pode ser vista em arquivo pdf aqui.

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