O pastor Marcos Pereira da Silva é presidente da igreja denominada
Assembleia de Deus dos Últimos Dias, com sede no Rio de Janeiro. Pesam
contra ele denúncias de associação com traficantes de drogas, homicídios
e violência sexual contra seguidoras de sua organização. Os jornais
divergem quanto ao número de mulheres que teriam sido estupradas pelo
sacerdote. Segundo o Estado de S.Paulo, ele teria abusado de
seis fiéis, usando a alegação de que elas estariam possuídas pelo diabo e
que o ato sexual as libertaria. Na versão da Folha de S. Paulo, foram quatro as vítimas e, segundo o Globo, os depoimentos colhidos em um ano de investigações identificam pelo menos 26 casos.
O acusado se tornou conhecido por negociar o fim de rebeliões em
presídios e libertar reféns de traficantes, impedindo suas execuções,
mas, segundo a polícia, ele na verdade era uma espécie de líder
espiritual de traficantes e outros bandidos, aos quais era associado, e
esses episódios eram simulações combinadas com os criminosos.
O conjunto das reportagens compõe um roteiro escabroso de exploração da
fé, abusos, manipulação de consciências, homicídios, lavagem de
dinheiro e roubo puro e simples. Embora seja um caso extremo de
delinquência associada à religiosidade, a carreira do pastor Marcos
Pereira da Silva deveria inspirar um esforço de investigação
jornalística em torno do fenômeno das seitas que proliferam por todo o
país e avançam sobre o campo político.
As relações entre Pereira da Silva e o presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados merecem uma atenção maior do
que a mera reprodução de declarações que tem marcado a ação da imprensa.
Uma das pistas a serem seguidas é a da lavagem de dinheiro: o pastor é
acusado de receber comissão de traficantes para dissimular a receita
do crime por meio da venda de CDs e DVDs de evangelização. Além disso,
sua ascendência sobre chefes do crime organizado o coloca como um dos
líderes da onda de ataques que aterrorizaram o Rio em 2006 e 2010, como
reação contra o programa de ocupação de favelas pela chamadas unidades
de polícia pacificadora.
Considerar que o deputado Feliciano ignorava tal folha corrida seria
chamá-lo de alienado – coisa que ele, definitivamente, não é.
O estelionato da fé
O inquérito contém preciosidades, como a descrição de orgias que teriam
sido promovidas pelo dublê de líder religioso e chefe de quadrilha em
um apartamento na Avenida Atlântica, registrado em nome da igreja e
avaliado em R$ 8 milhões: segundo testemunhas, o pastor teria o hábito
de realizar encontros que incluíam relações homossexuais de homens e
mulheres. Também há referências a troca de favores com políticos e
autoridades policiais, o que indica a extensão da influência do
personagem, e que pode ser medida pelo empenho do deputado Feliciano em
defender o acusado.
A imprensa precisa esclarecer essa relação suspeita.
Preso, o pastor Marcos Pereira da Silva tem sua vida vasculhada pelos
jornais, que fazem descrições espantosas sobre sua longa carreira de
abusos. No entanto, o noticiário ainda se limita ao relato puro e
simples dos crimes de que ele é acusado, quando o episódio deveria levar
a imprensa a analisar com mais profundidade o fenômeno de entidades
supostamente religiosas que são, na verdade, organizações criminosas.
Não importa se a delinquência se limita ao estelionato mais primário em
nome de angústias espirituais ou se chega ao estágio sofisticado de
criminalidade que é atribuído ao líder da Assembleia de Deus dos Últimos
Dias. No livro intitulado Mídia e poder simbólico, o jornalista e cientista social Luís Mauro Sá Martino já tratou com detalhes a questão do mercantilismo no campo religioso.
O caso do pastor Pereira da Silva abre uma oportunidade para a imprensa
investigar a verdadeira natureza de organizações que colocam no poder
político figuras como o deputado Marco Feliciano, capaz de transformar
um órgão do porte da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em um circo
místico de crendices e preconceitos. Pode-se ir um pouco além,
analisando-se, por exemplo, como a sociedade contemporânea ainda se
mantém vulnerável à penetração de arcaísmos e mistificações, que
contaminam as instituições da República, e de que modo tais
manifestações de irracionalidade atrapalham o desenvolvimento do país.
Mas isso seria esperar demais. Desmascarar outros falsos religiosos associados ao crime já seria um bom começo.
No Observatório da Imprensa
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