sexta-feira, 10 de maio de 2013

Uma ressurreição assombra o STF

Da ISTO É INDEPENDENTE - 10/05/2013

 

Vários advogados dos réus do mensalão levantaram uma questão interessante em seus embargos declaratórios no Supremo. Eles mostram uma contradição de datas para a realização de um crime que teve um impacto considerável na hora de definir a pena de cada um.


Como você poderá acompanhar neste vídeo, o que se debatia em 2012 era a data em que José Dirceu havia “fechado o pacote” de R$ 20 milhões com José Carlos Martinez, presidente do PTB. 

A data correta, como se verá, era outubro de 2003. 
 
Mas os juízes, após diversas intervenções de Joaquim Barbosa, se convenceram que o encontro havia sido em dezembro de 2003. Não é uma questão de calendário. 
 
Em outubro de 2003, as leis que puniam a corrupção no país previam penas relativamente leves. A mínima era de 1 ano de prisão. A máxima, 8 anos. 
 
Mas, por uma iniciativa do governo Lula, em novembro daquele ano se consumou uma mudança no código penal. As penas foram agravadas. A pena mínima tornou-se de 2 anos. A máxima, 12 anos. 
 
Basta reparar que era um erro muito fácil de ser evitado.
 
Bastava um assessor do STF entrar no Google e conferir quando o ex-deputado Martinez havia morrido.
 
Não foi um fim banal, mas um desastre de avião. 
 
A data foi 4 de outubro de 2003. Está lá, na Wikipédia. Fiz isso há alguns minutos. 
 
Em 12 de novembro de 2012, no entanto, a ressurreição de Martinez fez seus efeitos.
 
Numa postura que trai alguma desconfiança, Marco Aurélio chegou a sublinhar: “é importantíssimo saber a data em que o pacote foi fechado”. 
 
Com a mesma dúvida, Gilmar Mendes questionou Joaquim:
 
- Portanto, a data em que Vossa Excelência o identifica é de?
 
- É posterior à lei, é dezembro de 2003.
 
Outro ministro, Celso de Mello, esclareceu, concordando com Joaquim, que Martinez faleceu “quando estava em vigor a leis mais gravosa”.
 
Foi assim, nesse ambiente, que vários réus foram condenados pelo crime de corrupção ativa. 
 
O advogado Rogério Tolentino chegou a dizer que os réus condenados por corrupção passiva receberam a data correta, enquanto os condenados por corrupção ativa, como Dirceu e Jose Genoíno, receberam a data errada. 
 
Dirceu foi condenado a 7 anos e 11 meses por corrupção ativa.
 
Faltou um mês para que fosse punido pela pena máxima – pelo critério antigo. Mas, pela nova legislação, foi uma punição menos grave.
 
O contexto das discussões entre os ministros mostra que eles votaram numa coisa quando a realidade era outra. 
 
Será que as penas teriam sido tão longas se eles tivessem consciência de que os parâmetros eram outros?
 
Essa é a pergunta.
 
Nenhum ser humano está livre de cometer lapsos e erros de todo tipo.
 
Quantas vezes isso já aconteceu aqui neste espaço? Quantas correções já publiquei em minhas reportagens? 
 
Perdi a conta.
 
Então não quero fingir que tenho muita lição a dar.
 
Mas estamos falando de um julgamento, apresentado como o mais importante da história do tribunal.
 
Estavam em jogo a liberdade e os direitos dos cidadãos, num país democrático. Os ministros questionaram, suspeitaram de um erro, mas ele foi cometido mesmo assim. Votaram a partir de um dado falso.
 
Essa é a questão que sobra aqui.
 
Os condenados terão suas penas reduzidas por causa desse erro? Ou vamos fingir que não aconteceu nada?   
 
 
Paulo Moreira Leite. Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
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