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“Mensalão”: A história de uma farsa
Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho
Outrora se falava que “ainda existem juízes em Berlim”, referindo-se aos derradeiros magistrados que resistiram à sanha nazista e defenderam princípios constitucionais numa Alemanha mergulhada em profunda crise. Que grande ironia assistir, num Brasil que vive o apogeu de sua democracia e goza de sólida estabilidade econômica, a inversão dessa frase. Não existem mais juízes em Brasília? Essa pergunta ainda está no ar, visto que há um fiapo de esperança de vermos o STF evitar a desmoralização de se render às forças do atraso e à arbitrariedade. Mas a frase vale para uma outra atividade crucial quando se discute este processo político e judiciário conhecido por “mensalão”. Ainda existem jornalistas no Brasil? Felizmente, sim. Endereço a frase especialmente para o editor da revista Retrato do Brasil, Raimundo Pereira, que realizou um trabalho criterioso e completo para desconstruir as mentiras contidas na denúncia da Ação Penal 470.
Se durante o julgamento, as matérias de Pereira fossem publicadas num jornal de grande circulação e seu conteúdo fosse adaptado para a televisão, outro seria o destino dos réus, e poderíamos testemunhar um outro debate, bem mais consequente. Estaríamos agora discutindo, de maneira mais objetiva, um fato gravíssimo: a construção de uma conspirata política para derrubar um governo eleito, ao arrepio de inúmeros direitos constitucionais consagrados. A procuradoria e alguns ministros lançaram cidadãos na fogueira da vergonha pública apenas para provar uma tese pré-montada.
Relendo a Edição Especial da Retrato do Brasil, cuja manchete é “A construção do mensalão”, e a edição número 65, intitulada “A prova do erro do STF”, senti o alívio de constatar que parte do trabalho que eu me dispunha a fazer, já está pronto, o que me deixa um caminho aberto para passar à etapa seguinte, a análise das consequências. O material coletado por Pereira derruba as teorias centrais da denúncia da Procuradoria. A demolição que faz no caso Visanet, inclusive publicando os documentos que os juízes se recusaram a ver, é particularmente arrasadora. Não sobra pedra sobre pedra.
Pereira faz o serviço que caberia a um juiz honrado: inocenta Henrique Pizzolato consultando os documentos apresentados pelo próprio réu à acusação. E ainda envereda por um caminho que eu também procurei trilhar nessa história: o aspecto humano. É um aspecto essencial porque nos faz pôr de lado, por um momento, as paixões políticas.
Perdoem-me insistir tanto na figura de Pizzolato. Não sou advogado dele, não temos nenhum acordo pecuniário. Minha insistência se dá por várias razões. Primeiro, por praticidade. Ele mora perto da minha casa, é uma figura de fácil acesso, e sua vida familiar hoje tem apenas um objetivo: provar sua inocência; com toda a calma e convicção, conta o que aconteceu, mostra os documentos, esclarece e procura nos olhos do interlocutor uma explicação plausível para a arbitrariedade terrível que lhe esmagou.
Segundo, por razões de afinidade: Pizzolato não é uma celebridade, como José Dirceu, cercado de fãs e frenesi militante. É um indivíduo pacato, de hábitos extremamente simples. Seria um pouco inexato chamá-lo de “um homem comum”, porque não é fácil encontrar gente com uma história tão bonita. Uma história de conquistas, luta política, grandes sonhos. Foi o primeiro diretor sindical eleito para cargo de representação funcional na administração do Banco do Brasil. Foi um dos articuladores, junto ao Banco, da campanha contra a fome idealizada por Betinho, junto do qual viajou todo o país, iniciativa que abriria caminho para Lula mais tarde fazer suas caravanas da cidadania. Na campanha de 2002, idealizou os kits de apoio a Lula para a Classe A, as famosas estrelinhas douradas, que tanto ajudaram a quebrar o preconceito das elites contra o PT. Como diretor de marketing do BB, levou a cabo várias inovações, muitas das quais hoje passaram por retrocesso; e tinha planos de fazer inúmeras outras, que poderiam trazer benefícios à instituição e ao país.
Terceiro, porque derrubando a acusação contra Pizzolato, desmonta-se um dos suportes cruciais da Ação Penal 470, o uso de dinheiro público no mensalão, que serviu à Procuradoria e ao STF para rechaçar a tese da defesa, de que os volumes movimentados corresponderiam a um caixa 2 de campanha eleitoral.
A principal razão, sobretudo, do meu interesse na figura de Pizzolato é que sua condenação (e o linchamento moral que sofreu, ainda mais severo) simboliza o caso mais chocante de arbitrariedade que já testemunhei. Me fez pensar inclusive na diferença entre injustiça e arbitrariedade.
Uma coisa é a injustiça, para o qual sempre concorrem as agruras do destino e cujas responsabilidades se diluem por todo o corpo social e pelo tempo histórico. Uma criança famélica vagando nas ruas da nossa cidade é culpa de todos nós, é culpa da nossa história, mas justamente por essa culpa distribuir-se tanto, ela perde força em nossa consciência. Viramos o rosto e seguimos em frente. Não podemos consertar tudo.
Uma arbitrariedade é diferente. Não é, como a injustiça, uma consequência de vícios históricos; ela tem um rosto ou vários rostos, e emerge de um ambiente de violência extrema, no caso a violência covarde dos estamentos conservadores da sociedade (mídia corporativa, certa elite aristocrática do funcionalismo, setores raivosos da classe média) contra um ou mais indivíduos, sem lhe dar chance de se defender.
Eu me recuso a aceitar ser responsável pela arbitrariedade cometida contra Pizzolato; sinto-me, ao contrário, também uma vítima. Sinto-me vulnerável. O que aconteceu a ele poderia acontecer a qualquer um. Claro, o fato de ser petista e ter lutado, a vida inteira, por justiça social, ajuda a virar alvo.
Não é uma arbitrariedade que se poderia atribuir a uma confusão judiciária. Tanto os procuradores quanto Joaquim Barbosa, que desde o início tinham acesso aos documentos, dispunham de provas que o inocentavam completamente. Não só ignoraram essas provas. Ocultaram-nas! Isso é o mais chocante. Documentos fundamentais para se esclarecer a relação entre BB, Visanet e DNA foram simplesmente escondidos embaixo do tapete pela procuradoria – e igualmente ignorados por Joaquim Barbosa. Destacamos, principalmente, os pareceres jurídicos do BB em relação à Visanet e o Regulamento do Fundo de Marketing, da própria Visanet (de 2001), que derrubam a tese de que os recursos eram do BB; e o Laudo 2828, que inocenta Pizzolato.
Se falássemos de uma comarca do interior, sempre poderíamos esperar que Pizzolato, que não tem direito a foro privilegiado, poderia apelar para uma segunda instância, ou seja, para o Supremo. Mas não. Ele foi lançado diretamente para o último círculo do inferno, sem esperança de redenção!
Temos, portanto, uma situação de absoluta ironia. O julgamento vendido à sociedade como uma vitória da ética sobre a política foi, na verdade, um espetáculo grotesco de desonestidade, tanto por parte da procuradoria quanto por parte de ministros do STF.
Joaquim Barbosa, pintado pela revista Veja como o “menino que mudou o Brasil”, passará a história como um dos mais incompetentes e desonestos juízes que já passaram pelo Supremo Tribunal Federal. A responsabilidade de Barbosa é particularmente grave porque ele acompanhou os inquéritos desde o início, antes mesmo de se tornarem a Ação Penal 470. Foi dele a decisão de manter toda a documentação fora do alcance dos próprios ministros do STF, até pouco antes do julgamento, de maneira que estes, sem tempo hábil para estudar a contento o processo, inclinaram-se a seguir a orientação do relator, ou seja, o próprio Joaquim Barbosa.
E agora, que os embargos trazem à tona um oceano de inconsistências, mentiras e arbitrariedades, o próprio STF se vê numa sinuca de bico. Assistimos a uma interessante mudança nos ventos. O barquinho dos réus, que se dirigia aceleradamente na direção da cascata, onde se despedaçaria nas pedras lá embaixo, prendeu-se a um galho na margem e pode vir a ganhar proteção de uma rocha logo à frente.
O que eu temo, contudo, é que a sociedade se contente com uma migalha: que os embargos façam os ministros reverem as penas de Dirceu e Genoíno, que os dois não sejam encarcerados em regime fechado ou mesmo semiaberto; mas os outros réus sejam lançados aos leões para satisfazer o circo romano da opinião publicada. Não penso apenas em Pizzolato, mas naquelas secretárias, algumas condenadas a penas superiores a conferidas a homicidas confessos. O que elas têm a ver com as negociatas políticas dos partidos ou, pior, com a trama ficcional inventada pela acusação e aceita pelo STF?
Estamos na Roma Antiga ou no Brasil do Século 21?
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Capítulos anteriores da série:
Prefácio: Mensalão, a história de uma farsa.
Capítulo 1: Acusações contra Pizzolato lembram Dreyfus e Kafka.
Capítulo 2: O caso Visanet.
Capítulo 3: As bombas lá fora.
Capítulo 4: Tirem as crianças da sala.
Capítulo 5: As bombas aqui dentro.
Consulte o site http://www.retratodobrasil.com.br, ou ligue para (11) 3814-9030 para solicitar as edições que tratam da Ação Penal 470.
http://novobloglimpinhoecheiroso.wordpress.com/2013/05/28/mensalao-a-historia-de-uma-farsa/
Postado há 19 minutes ago por Blog Justiceira de Esquerda
Do Blog Justiceira de Esquerda.
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