No governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC), a Booz-Allen, na qual trabalhava o espião
Edward Snowden, foi responsável por consultorias estratégicas contratadas pela
esfera federal. Incluem-se aí o “Brasil em Ação” (primeiro governo FHC) e o
“Avança Brasil” (segundo governo FHC), entre outras, como as dos programas de
privatização (saneamento foi uma delas) e a da reestruturação do sistema
financeiro nacional.
A reação imediata
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) às denúncias de que os EUA
mantiveram uma base de espionagem no país, durante o seu governo, suscitou
interrogações e recomenda providências às autoridades do país. Dificilmente
elas serão contempladas sem uma decisão soberana do Legislativo brasileiro,
para instalação de uma CPI que vasculhe os porões de sigilo e dissimulação no
qual o assunto pode morrer.
“Entre as inúmeras
qualidades do ex-presidente, uma não é o amor à soberania nacional”, sublinha a
matéria publicada, nesta quarta-feira, na agência brasileira de notícias Carta
Maior, que o Correio do Brasil reproduz, em seguida:
“Avulta, assim, a
marca defensiva da nota emitida por ele no Facebook, dia 8, horas depois de o
jornal ‘O Globo‘ ter divulgado que, pelo menos até 2002, Brasília sediou uma
das estações de espionagem nas quais funcionários da NSA e agentes da CIA
trabalharam em conjunto.
‘Nunca soube de
espionagem da CIA em meu governo, mesmo porque só poderia saber se ela fosse
feita com o conhecimento do próprio governo, o que não foi o caso. De outro
modo, se atividades deste tipo existiram, foram feitas, como em toda
espionagem, à margem da lei. Cabe ao governo brasileiro, apurada a denúncia,
protestar formalmente pela invasão de soberania e impedir que a violação de
direitos ocorra…”, defendeu-se Fernando Henrique.
O jornal afirma ter
tido acesso a documentos da NSA, vazados pelo ex-agente Edward Snowden, que
trabalhou como especialista em informática para a CIA durante quatro anos, nos
quais fica evidenciado que a capital federal integrava um pool formado por 16
bases da espionagem para coleta de dados de uma rede mundial. Outro conjunto de
documentos, segundo o mesmo jornal, com data mais recente (setembro de 2010),
traria indícios de que a embaixada brasileira em Washington e a missão do país
junto às Nações Unidas, em Nova York, teriam sido grampeadas em algum momento.
Espionagem e
grampos não constituíram propriamente um ponto fora da curva na gestão do
ex-presidente. Durante a privatização do sistema Telebrás, grampos no BNDES
flagraram conversas de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das
Comunicações, e André Lara Resende, então presidente do BNDES, articulando o
apoio da Previ para beneficiar o consórcio do banco Opportunity – que tinha
como um dos donos o economista Pérsio Arida, amigo de Mendonça de Barros e de
Lara Resende.
O próprio FHC foi
gravado , autorizando o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão dos
funcionários do Banco do Brasil. Em outro emaranhado de fios, em 1997,
gravações revelaram que os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do
Acre, ganharam R$ 200 mil para votar a favor da emenda da reeleição, que
permitiria o segundo mandato a FHC. Então, como agora, o tucano assegurou que
desconhecia totalmente o caso, que ficou conhecido como ‘a compra da
reeleição’.
As sombras do
passado e as do presente recomendam a instalação de uma CPI como a medida
cautelar mais adequada para enfrentar o jogo pesado de interesses que tentará
blindar o acesso do país ao que existe do lado de dentro da porta entreaberta
pelo espião Snowden. O PT tem a obrigação de tomar a iniciativa de convoca-la.
Mas, sobretudo, o
PSDB deveria manifestar integral interesse em sua instalação.
Soaria no mínimo
estranho se não o fizesse diante daquilo que o ex-presidente Fernando Henrique
definiu como exclamativa ilegalidade: “Se atividades deste tipo existiram, foram
feitas, como em toda espionagem, à margem da lei…”.
O Congresso não
pode tergiversar diante do incontornável: uma base de espionagem da CIA operou
em território brasileiro pelo menos até 2002.
A sociedade tem
direito de saber o que ela monitorou e com que objetivos.
Há outras perguntas
de vivo interesse nacional que reclamam uma resposta.
O pool de
espionagem apenas coletou dados no país ou se desdobrou em processar, manipular
e distribuir informações, reais ou falsas, cuja divulgação obedecia a interesses
que não os da soberania nacional?
Fez o que fez de
forma totalmente clandestina e ilegal? Ou teve o apoio interno de braços
privados ou oficiais, ou mesmo de autoridades avulsas?
Quem, a não ser uma
Comissão Parlamentar, teria acesso e autoridade para responder a essas
indagações de evidente relevância política nos dias que correm?
Toda a mídia
progressista deveria contribuir para as investigações dessa natureza, de
interesse suprapartidário, com a qual o Congresso daria uma satisfação ao país
depois da lenta e hesitante reação inicial do Planalto e do Itamaraty, cobrada
até por FHC.
Carta Maior e o
Correio do Brasil alinham-se a esse mutirão com algumas sugestões de fios a
desembaraçar.
Por exemplo: o
repórter Geneton Moraes Neto acaba de publicar no G1 (um site do sistema Globo)
um relato com o seguinte título: “O dia em que o ministro Fernando Henrique
Cardoso descobriu o que é “espionagem”: secretário de Estado (norte-)americano
sabia mais sobre segredo militar brasileiro do que ele”.
A reportagem, que vale
a pena ler, remete a uma entrevista anterior, na qual FHC comenta seu
desconhecimento sobre informações sigilosas do país dominadas por um graduado
integrante do governo norte-americano.
O tucano manifesta
naturalidade desconcertante diante do descabido.
A mesma
naturalidade com a qual comenta agora seu esférico desconhecimento em relação
às operações da CIA durante o seu governo.
Ter sido o último a
saber, no caso citado por Geneton, talvez seja menos grave do que não procurar,
a partir de agora, informar-se sobre certas coincidências, digamos por enquanto
assim.
Há questões que
gritam por elucidação.
A empresa que
coordenava o trabalho de grampos da CIA, a Booz-Allen, na qual trabalhavaSnowden, é uma das grandes empresas de consultoria mundial.
No governo FHC, ela
foi responsável por consultorias estratégicas contratadas pela esfera federal.
Inclua-se aí desde
o “Brasil em Ação” (primeiro governo FHC) até o “Avança Brasil” (segundo
governo FHC) e outras, como as dos programas de privatização (saneamento foi
uma delas) e a da reestruturação do sistema financeiro nacional.
Todos os trabalhos
financiados pelo BNDES. Alguns exemplos:
• Caracterização
dos Eixos Nacionais de Desenvolvimento. Programa Brasil em Ação. BNDES.
Consórcio FIPE/BOOZ-ALLEN. 1998;
• Alternativas para
a Reorientação Estratégica do Conjunto das Instituições Financeiras Públicas
Federais.
• Relatório
Saneamento Básico e Transporte Urbano. Consórcio FIPE/BOOZ-ALLEN & Hamilton. BNDES/Ministério
da Fazenda. São Paulo. 2000
Vale repetir: a mesma
empresa guarda-chuva do sistema de espionagem que operou no Brasil até 2002, a
Booz Allen, foi a mentora intelectual de uma série de estudos e pareceres,
contratados pelo governo do PSDB, para abastecer uma estratégia de alinhamento
(‘carnal’, diria Menen) do Brasil com a economia dos EUA. Mais detalhes desse
‘impulso interativo’ podem ser obtidos aqui:
Na aparência,
sempre, a perfeita identidade com os inoxidáveis interesses nacionais.
O estudo dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento, por exemplo, foi realizado por um
consórcio sugestivamente abrigado sob o nome fantasia de “Brasiliana”.
Por trás, o comando
a cargo da Booz-Allen & Hamilton do Brasil Consultores, com suporte da
Bechtel International Incorporation e Banco ABN Amro.
O ‘mutirão’ (até a
consultoria do banco) foi pago com dinheiro público pelo governo federal, sob a
supervisão das equipes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Os resultados do
trabalho levaram a dois eixos centrais da concepção tucana de desenvolvimento:
o “Brasil em Ação” e o “Avança Brasil”.
Reconheça-se, tudo
feito às claras, em perfeita sintonia entre o Estado brasileiro e a empresa
guarda-chuva do sistema de espionagem em operação dupla no país.
Na pág. 166 de uma
publicação do BNDES, a “contribuição” da Booz-Allen está explicitamente citada:
Uma análise de como
a turma da versátil Booz-Allen teve robusta influência na modelagem do sistema
financeiro nacional (leia-se, menos bancos públicos, conforme o cânone da
concepção de Estado mínimo) pode ser avaliada aqui:
Um fato curioso e
que não pode ser desconsiderado na avaliação criteriosa de uma incontornável
CPI sobre o assunto: a ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil Donna Hrinack,
tão logo se despediu do cargo no país, sentou-se na cadeira de assessora
qualificada da Kroll.
A Kroll, como se
sabe, é uma empresa internacional de espionagem que operou a serviço de Daniel
Dantas e de seu fundo, o Opportunity.
Trata-se,
coincidentemente, de um dos braços financeiros mais importantes do processo de
privatização no Brasil, estreitamente associado ao Citybank e, claro, a toda a
“carteira” de acionistas que injetou dinheiro na farra neoliberal dos anos 90.
A Kroll foi usada
para bisbilhotar autoridades e chegou a espionar ministros do governo Lula,
como ficou evidente com a Operação Chacal, da Polícia Federal, deflagrada em
2004.
Como se vê, as
revelações de Snowden, ao contrário do que sugere a nota de FHC,
definitivamente, não deveriam soar como algo inusitado aos círculos do poder,
em Brasília. Se assim são tratadas, há razões adicionais para suspeitar que um
imenso pano quente será providenciado para evitar que as sombras fiquem
expostas à luz.
A questão,
repita-se, não se esgota em manifestar a indignação nacional pelo que Snowden
denunciou.
O que
verdadeiramente não se pode mais adiar é a investigação pública do que foi
espionado, com que finalidade e a mando de quem.
Isso quem faz é uma
Comissão Parlamentar de Inquérito”.
Fonte:Correio do Brasil
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