Assustada com as mobilizações populares que romperam duas décadas de
marasmo político e letargia social, após um momento de perplexidade e
desorientação, a ordem estabelecida deu uma primeira resposta à revolta
social que toma conta do Brasil. Seu ponto de vista aparece na estética
e no discurso da grande mídia falada e escrita. Não por acaso, as
grandes redes de televisão tornaram-se um dos alvos preferenciais da
fúria popular, ao lado de outros símbolos do poder burguês e da
modernidade fútil - os prédios públicos, os bancos, as concessionárias
de automóveis.
Por representar o que há de mais comprometido com o capitalismo
selvagem, a perspectiva da Rede Globo é emblemática de como a
plutocracia enxerga as mobilizações populares que ameaçam seus
privilégios seculares. As imagens da Rede Globo são quase que
invariavelmente feitas a partir de duas perspectivas: do alto das
coberturas dos prédios e dos helicópteros ou atrás da tropa de choque. É
uma metáfora de como a burguesia lida com o conflito social: distante
dos problemas da população e em oposição frontal a quem luta por
direitos coletivos.
Preocupados com a possibilidade de que a revolta popular se transforme
numa revolução política, a grande mídia martela dia e noite palavras de
ordens que têm como objetivo neutralizar o potencial subversivo das
ruas. No “fim da história”, as rebeliões não podem ter causa. Daí a
insistência em instrumentalizar a ira contra os partidos da ordem – PT,
PSDB, PMDB, PSB, etc. – para estigmatizar todo e qualquer partido e
para banir toda e qualquer bandeira política que possa dar um horizonte
revolucionário à energia humana que brota de baixo para cima.
Consignas e bandeiras da contra-revolução
Bonner à frente, as consignas reacionárias são repetidas ad nauseam nos
jornais, rádios e televisão. “As manifestações não podem ter partido”.
Na verdade, disputam desesperadamente a direção das manifestações. Na
falência dos partidos convencionais, tomam para si, com o beneplácito da
burguesia, o papel de verdadeiro partido da ordem. “As manifestações
não podem ter bandeiras”. Na verdade, enaltecem, exaltam e estetizam as
bandeiras da paz (social) e da ordem e progresso (do nacionalismo
chauvinista). Na falência das políticas convencionais, apelam para o
moralismo e buscam desesperadamente resolver a quadratura do círculo,
encontrando uma saída dentro da ordem. A manobra mal esconde o pânico
com o despertar do povo para a política. Tentam desesperadamente conter a
energia vulcânica que clama por mudanças radicais, transformando as
manifestações em uma grande catarse nacional.
O levante popular coloca em xeque um dos nós fundamentais do padrão
histórico de dominação da burguesia brasileira: a intolerância em
relação à utilização do conflito social como forma legítima de conquista
de direitos coletivos. Daí o esforço para estigmatizar os
manifestantes que enfrentam violenta repressão. Sem distinção, todos
que enfrentam a tropa de choque – manifestantes, provocadores
infiltrados e simples marginais - são tachados de “vândalos” – uma
minoria violenta que perturba a ordem e que se contrapõe à maioria que
se manifesta pacificamente. Mal disfarçam a intenção de instigar a
polícia e atiçar a classe média remediada contra a vanguarda das
manifestações. Os jornais atuam de maneira orquestrada para saturar a
opinião pública com imagens de destruição patrimonial – repetidas
cansativamente para provocar a rejeição da população. O objetivo é
criar um clima de histeria coletiva que venha, mais adiante, a
justificar o massacre da revolta. Suspeitamente, não se escuta um pio
sobre a ação escancarada de provocadores infiltrados, liderados por
agentes dos órgãos de repressão do Estado e por grupos de extrema
direita. Os pescadores de águas turvas apostam na única solução que a
classe dominante brasileira conhece para tratar o conflito social: o
pelourinho. Precisam ser contidos.
O partido da revolução democrática
A avassaladora mobilização da juventude contra as péssimas condições de
vida da população polarizou a luta de classes entre mudança e
conservação – revolução e contra-revolução. Se a esquerda não conseguir
dar uma resposta ao contra-ataque das forças da reação, as mobilizações
sociais podem simplesmente se exaurir sem condensar a energia política
necessária para abrir novos horizontes. O desafio exige que as
organizações de esquerda se unifiquem, lutem ao lado da juventude nas
trincheiras avançadas do levante popular e portem a bandeira da
revolução democrática – a essência do que está sendo exigido pelos
manifestantes - como única alternativa à barbárie.
Plínio de Arruda Sampaio Jr.No Justiceira de Esquerda
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