Por José Dirceu, em seu blog:
Sem mobilização e luta popular, não haverá plebiscito sobre a reforma
política. A oposição, capitaneada pelo trio FHC-Aécio-Serra está contra;
o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), diz que a bancada votará
contra, ou a sua maioria; o presidente da Câmara, Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN), propõe uma comissão para fazer a reforma na Câmara e
depois um referendo; no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior
Eleitoral, um ministro vira ativista político contra o plebiscito.
Os mesmos que exigem ações do governo federal para atender todas as
demandas populares, não dos seus governos nos Estados e municípios; os
mesmos que aprovam a toque de caixa, com medo das manifestações, leis de
caráter populista e demagógico como a do passe livre para todos, para
os que têm renda, ou a lei que transforma a corrupção em crime hediondo,
quando o próprio STF já declarou inconstitucional parte da lei que o
instituiu para outros crimes.
Os mesmos que na mídia clamam pelo atendimento de todas as
reivindicações populares e já agora são contra o plebiscito. O povo que
está nas ruas pode reivindicar tudo, menos decidir sobre o poder
político, sobre aquilo que ele tem soberania natural, sobre sua
Constituição e sobre como eleger o Poder Legislativo, o poder dos
poderes.
Querem usar o povo que está nas ruas para seus objetivos políticos,
eleitorais, como massa de manobra para fazer oposição ao governo Dilma,
para tirar do poder o PT, para pôr fim às políticas e aos programas
sociais, de distribuição de renda, de defesa do Brasil. Democracia só
quando é para atender os interesses que representam, da elite. Quando o
povo quer participar e decidir, não vale.
É preciso lembrar ao povo como governaram o Brasil os que hoje
cinicamente atacam o governo Dilma, o PT e o ex-presidente Lula. Lembrar
os anos FHC, o desemprego, com o país quebrado duas vezes, a
privataria, o escândalo da reeleição – com a qual agora querem acabar –,
o câmbio fixo que arruinou nossa indústria, os juros altos (de 27,5%
reais ao ano) que dobraram a nossa dívida interna, que agora nos custa
5% do PIB, que falta na educação e na saúde, nos investimentos em
inovação e tecnologia, em saneamento e mobilidade urbana.
É preciso lembrar que éramos um país endividado, quebrado, devendo para o
FMI, de pires na mão e sem autoestima e prestígio internacional. Sem
presença e liderança no mundo.
É preciso lutar, é possível vencer, é preciso saber contra quem lutamos
Todos juntos nessa luta pela unidade popular, Mas, se estamos todos juntos, contra quem vamos lutar?
por Valério Arcary, no Correio da Cidadania
Versos cantados por delegados da esquerda socialista no Congresso da
UNE, em resposta à moção que defendia a estratégia de unidade de toda a
oposição à ditadura militar, sob a liderança da burguesia liberal que se
expressava através do MDB de Tancredo e Montoro, contra a unidade
operário-estudantil.
O ataque dos fascistas contra a esquerda produziu uma reação
extraordinária durante a última semana. A defesa do direito da esquerda
de ir às ruas levantando suas bandeiras vermelhas uniu muitos milhares
de jovens nos últimos dias, por todo o país, em uma mobilização
unitária, entusiasmada e lúcida.
A unidade da esquerda nas ruas foi emocionante
As fotos da assembléia-monstro no Largo São Francisco, no Rio de
Janeiro, para preparar o dia 27 e a ida ao Maracanã no dia da final da
Copa das Confederações, emocionaram a esquerda, profundamente, em todo o
Brasil. Processos semelhantes se repetiram, em formas variadas, mas com
o mesmo conteúdo, em Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Belém, e
Recife, entre muitas outras cidades menores. Surgiu do enfrentamento do
dia 20 de junho com os fascistas um poderoso sentimento fraterno de que
precisamos nos unir para vencer. Isso foi magnífico.
Estamos diante da urgência da política. Os dias agora valem por meses,
as semanas por anos. Tudo se acelerou. O debate aberto na esquerda pelas
mobilizações das últimas três semanas coloca na ordem do dia um dilema:
a esquerda precisa se unir para poder ajudar o movimento da juventude a
avançar na direção de novas vitórias, sob pena de perder uma
oportunidade histórica de transformação do Brasil. Uma janela de
oportunidade que não se abre com facilidade. A divisão da esquerda
repercutirá de forma dramática sobre as possibilidades da luta em curso,
porque está aberta uma disputa sobre o destino do combate de milhões.
Esses milhões estão em luta porque têm pressa.
Um debate de estratégia é incontornável
Não obstante, isso não deve nos inibir de dizer que, infelizmente,
existem dois grandes campos políticos na esquerda, hoje no Brasil, que
remetem a um dilema de estratégia, e que vai se expressar em polêmicas
táticas de todo o tipo. Estes campos têm diferenças irreconciliáveis.
Sendo assim, é melhor debater as estratégias. Porque é mais educativo.
As questões mais de fundo, que remetem ao tema da atitude diante do
poder, são inescapáveis. As diferenças não são artificiais, não são
produto de exageros sectários. Não são pequenas escaramuças, miudices,
picuinhas. Estes campos são maiores que os partidos de esquerda. Porque
são muitas dezenas de milhares de ativistas que se interrogam sobre qual
deve ser o caminho a seguir. A imensa maioria não tem militância
partidária. Compreende a gravidade da situação. Tem boas razões para
estar preocupada.
Dois campos em disputa
Em um campo estão aqueles que compreendem que a mobilização pelas
reivindicações deve avançar, tendo a prioridade de unificação com os
trabalhadores, ou seja, a preparação de um dia de greve geral para 11 de
julho. Este campo afirma que, para lutar contra os empresários do
transporte urbano, os banqueiros, os fazendeiros do agrobusiness, a
FIESP, não é possível dar trégua a nenhum governo.
A nenhum significa isso mesmo, a nenhum, nem a Dilma. Depois de dez
anos, ficou claro que os governos liderados pelo PT, em aliança com
partidos burgueses, estão mais comprometidos com a preservação do
pagamento da dívida pública do que com os transportes públicos, a
educação e saúde públicas. Sem romper com o pagamento da dívida pública,
de onde viriam as verbas para os investimentos necessários à
implantação, por exemplo, do passe livre?
Os que nos colocamos nesta posição queremos ajudar a juventude nas ruas a
continuar ocupando as avenidas com as reivindicações que ela mesma foi
forjando pela sua experiência prática: conquista do passe livre,
desmilitarização das PMs, mais verbas para educação e saúde, punição dos
corruptos. E queremos agregar as reivindicações que respondem às
necessidades do proletariado: o aumento dos salários e a redução da
jornada de trabalho, por exemplo, ou a anulação da reforma da
previdência e a suspensão dos leilões de privatização do petróleo do
pré-sal, e tantas outras.
Os termos do dilema, que é sempre uma escolha difícil, são, portanto,
terríveis, mas claros: Dilma está disposta a romper com o PMDB? Porque
atrás do PMDB estão as empreiteiras com contratos milionários para a
construção das grandes obras e estádios, por exemplo. E a esquerda que
apoia o governo, ainda que criticamente, como as várias tendências
internas do PT, o PC do B, a Consulta Popular ou o MST, se Dilma não
atender às reivindicações, e não romper com o PMDB e os outros partidos
burgueses, estão dispostas a romper com Dilma?
Em outro campo estão aqueles que consideram que é preciso unir a
esquerda para defender o governo Dilma, porque o maior perigo seria a
desestabilização do governo liderado pelo PT, ou até do regime
democrático. Estão, podemos admitir, comprometidos em fazer exigências
ao governo Dilma. Exigências para que Dilma abra negociações com as
reivindicações das massas em luta. Exigências para que o PT no governo
não capitule diante do PMDB de Michel Temer e Sérgio Cabral. Ou
exigências para que o PT fora do governo não capitule aos ministros do
PT que aconselham moderação a Dilma. Em resumo, estão engajados em
pressionar o governo Dilma, mas não estão dispostos a romper com ele. E
reafirmam que não era possível antes de junho, e continua não sendo
possível, mesmo depois de milhões nas ruas, construir uma esquerda à
esquerda do governo Dilma.
É preciso lutar, é possível vencer
Qual estratégia é o melhor caminho para vitórias populares? Qual
estratégia irá prevalecer? Qual dos dois campos tem uma melhor
apreciação do que está em disputa, e a melhor orientação para
transformar o Brasil? Seria estupendo, realmente, fantástico, se as
mobilizações de jovens e trabalhadores fossem o bastante para exercer
uma pressão de classe suficiente para impor uma frente única de toda a
esquerda. Essa é a vontade dos ativistas, é a vontade de todos os que
sabemos contra quem lutamos. Porque para vencer o mais elementar é
preciso saber contra quem lutamos. Saber quem são os amigos e quem são
os inimigos.
Infelizmente, nunca é assim. A pressão das lutas não é o bastante.
Outras pressões políticas que, em uma interpretação de classe, respondem
a pressões das classes inimigas dos trabalhadores se abatem, também,
sobre a esquerda. Diante de grandes acontecimentos, ensina a experiência
histórica, algumas correntes de esquerda, que mantinham posições muito
distantes umas das outras, se aproximam. E outras, que estavam próximas,
se afastam. Em outra etapa da vida política brasileira se apresentou,
dramaticamente, o mesmo dilema para a esquerda. Com quem nos unirmos,
para lutar contra quem? Ou, enunciando de outra maneira, independência
ou colaboração de classes?
A polêmica do final dos anos setenta e início dos oitenta
Em 1978/79, quando uma nova situação se abriu no Brasil, colocou-se um
problema de estratégia política chave. Qual deveria ser a orientação
para acelerar a derrota da ditadura militar? Estava ficando cada dia
mais claro, depois das greves metalúrgicas do ABC, das greves de
professores, de bancários e outros setores da classe trabalhadora, que
era possível construir nas ruas uma mobilização de massas para derrotar a
ditadura. A classe dominante estava, crescentemente, dividida, entre
uma maioria que aceitava a abertura lenta e gradual, ou seja, uma
transição para um regime democrático-eleitoral negociada com os
militares, e aqueles que resistiam, porque temiam, em função do medo das
classes populares, a ampliação das liberdades democráticas. As classes
médias tinham rompido, majoritariamente, com o regime. A classe
trabalhadora começava a se mexer e a ganhar confiança em sua capacidade
de luta.
A esquerda que vinha se fortalecendo nas lutas estudantis e na
reorganização do movimento dos trabalhadores se dividiu em dois campos.
De um lado, principalmente, o PCB, o PC do B e o MR-8 defendendo a
unidade das oposições. O que significava que o monopólio da liderança
política na luta contra a ditadura ficava nas mãos do PMDB. Ninguém
deveria disputar com Ulysses e Tancredo a condição de porta voz das
oposições. Acontece que a liderança do PMDB temia mobilizar as massas
contra a ditadura e aceitava o calendário eleitoral imposto por Geisel e
Figueiredo. O PMDB não estava disposto a mobilizações de massas, porque
sabia que o perigo era a entrada em cena dos trabalhadores, com sua
força social de choque, seus métodos e suas greves. E o PMDB era um
partido com apoio, essencial e primeiramente, empresarial.
No outro campo, estava a esquerda que se uniu em torno do projeto que
nasceu das greves operárias e das manifestações estudantis, levando à
fundação do PT em 1980, e da CUT, em 1983. Este campo se posicionava
contra uma transição negociada e lutava pela derrubada da ditadura.
Lutava pela perspectiva de um deslocamento da ditadura pelas lutas, não
em conchavos no Congresso Nacional. O PMDB era o partido da oposição
institucional, o PT era o partido da independência dos trabalhadores,
que não aceitava que a maioria proletária continuasse a ser massa de
manobra entre diferentes alas da classe dominante. Os moderados de
esquerda argumentavam exatamente como agora: não é possível ultrapassar
Ulysses e o PMDB pela esquerda. A luta provou que eles estavam errados.
Foi porque o PT chamou às ruas e começou a campanha das Diretas Já! no
Pacaembu que o PMDB, ainda que dividido, se mexeu. O drama atual é que a
maioria daqueles que foram os radicais em 1980/83 agora são os
moderados. De incendiários, viraram bombeiros.
O dilema de estratégia que se coloca agora, trinta e cinco anos depois,
no entanto, é o mesmo. O papel da esquerda deve ser o de ajudar a
juventude e os trabalhadores a construir um campo independente? Ou ela
deve se resignar a ser um vagãozinho atrelado ao trem que é dirigido por
uma ala da classe dominante contra outra ala? Só podemos escolher entre
o governo Dilma ou um governo da direita? Ou esta onda de lutas pode
ajudar a nova geração a retirar conclusões políticas e ir além? Não é
possível pensar em um poderoso campo de oposição de esquerda, que
permita ir além do reformismo quase sem reformas dos dez anos dos
governos Lula e Dilma? Qual o caminho para avançar na direção da
revolução brasileira?
* Valerio Arcary é professor do IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia) e doutor em História pela USP.
Postado há 1 hour ago por Blog Justiceira de Esquerda
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