segunda-feira, 3 de outubro de 2011

País tem lições a dar, diz brasilianista

País tem lições a dar, diz brasilianista

Regis Filho/Valor/Regis Filho/ValorHagopian: para americana, alguém que saísse de coma após 20 anos se surpreenderia com a situação brasileira hoje


Por Cristian Klein | VALOR

Em meados dos anos 1980, quando quase todos no Brasil destacavam o clima de mudança trazido pela Nova República, a cientista política americana Frances Hagopian rumava na contramão. Em sua tese de doutorado, ela apontava a persistência de características autoritárias no processo de redemocratização brasileiro. Nem tudo ficara subitamente diferente entre 1984 e 1985. Exemplo mais óbvio: o primeiro presidente civil, José Sarney, havia saído das hostes do regime militar.
Hoje, mais de 25 anos depois da pesquisa, publicada no livro “Traditional Politics and Regime Change in Brazil” (1996), Frances Hagopian se diz mais uma vez remando contra a maré. Professora visitante da Cátedra Jorge Paulo Lemann para Estudos do Brasil da universidade americana de Harvard, Hagopian é extremamente otimista em relação à democracia brasileira.
Admira-se com os avanços conquistados pelo país a ponto de fazer uma metáfora. Se uma pessoa acordasse de um coma, após 20 anos, se surpreenderia ao encontrar um país totalmente transformado. Tanto na política quanto na estrutura econômica.
O argumento não é novo, e Hagopian não está propriamente isolada. Visão mais positiva já predomina em estudos acadêmicos. Mas as notícias na imprensa, sobre escândalos de corrupção, e indicadores nos quais o Brasil ainda aparece em colocações vergonhosas – como o índice de Gini (para a desigualdade) e os resultados do Pisa (para a qualidade da educação) – criam uma sensação de atraso e um clima de insatisfação.
Como o demonstrado por integrantes da plateia, que assistiam, na quinta-feira, no Centro Ruth Cardoso, na capital paulista, sua palestra “Partidos programáticos, democracia participativa e mudança da política social no Brasil”, proferida ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Criticada por pintar um cenário supostamente muito róseo sobre a situação política no país, Frances Hagopian diz entender que os brasileiros ainda possam ter muitas reclamações, mas que o país, aos olhos dos estrangeiros, é outro.
A pesquisadora destaca que o Brasil tem crescimento forte, com redução de pobreza e o surgimento de uma considerável classe C, que “redesenha a pirâmide social brasileira”, além de apresentar uma “estatura internacional com a qual gerações de brasileiros só podiam sonhar”.
“O Brasil hoje é visto no mundo como uma sociedade de êxito, como o classifica a Universidade de Princeton. O país não está apenas crescendo, mas cresce de forma sensata, sem exageros de um lado ou de outro. O mundo tem algo a aprender com o Brasil”, disse, em resposta aos questionamentos de que sua visão seria muito exagerada.
Antes da palestra, em entrevista ao Valor, Frances Hagopian defendeu que o ponto crucial, para a emergência, pela primeira vez no país, de um regime de bem-estar social, foram mudanças políticas, ocorridas principalmente a partir da década de 90.
Seu argumento é o de que, devido a uma série de medidas e reformas, os partidos deixaram de ter tanto acesso a recursos do Estado para realizar a troca de favores por voto, que caracteriza o clientelismo, e teriam ficado mais programáticos.
Ela cita, entre outros marcos, os limites impostos às emendas orçamentárias individuais; a Lei Camata, que limitou os gastos públicos com salários; a Lei de Responsabilidade Fiscal; a reforma da administração do Estado, e a privatização de estatais, que reduziu o número de cargos à disposição para nomeações políticas.
A atuação mais programática seria evidenciada pelas altas taxas de disciplina partidária (em média 90% dos deputados na Câmara votam de acordo com a orientação de seus líderes) e campanhas legislativas nas quais os candidatos defendem bandeiras específicas.
“Você vê que há propostas e que os candidatos pedem votos sob a promessa de trabalhar, por exemplo, pelo transporte público ou para melhorar o ensino fundamental. Não estão prometendo apenas um cargo numa escola da prefeitura para uma professora primária”.
Nas eleições majoritárias, afirma a cientista política, a concorrência programática criou um sistema de “partidos âncoras”, o PT e o PSDB, que oferecem visões distintas ao país.
Ela reconhece que há legendas oportunistas, que estão na base do governo, seja ele qual for. Mas que isso é natural num quadro partidário fragmentado.
“O país é bem administrado. Isso não seria possível se os partidos fossem tão disfuncionais como se diz. Eles são responsáveis pelo governo. Partidos não são perfeitos em nenhum lugar, e eu falo como americana”, diz Hagopian, que faz muitas críticas ao sistema político de seu país, especialmente ao voto distrital.
Ela se refere à predominância dos interesses particulares, paroquiais, já que cada deputado deve seu mandato a um distrito, o que acaba por criar enormes dificuldades em fazer uma reforma da saúde ou de se formular uma política energética, prioridades do governo do presidente Barack Obama.
“Estou com tanta inveja da política de energia de vocês… Nos Estados Unidos, estamos há 40 anos sem uma política sensível nesta área”, diz.
Questionada sobre o que acha do sistema brasileiro, alvo de pesadas críticas e propostas de mudança – como a defendida pelo PT e atualmente em tramitação no Congresso -, a cientista política afirma não ver necessidade de alterações.
“Entendo a insatisfação. Não é o sistema que eu desenharia, se estivesse o criando do zero. Mas o Brasil tem mostrado nos últimos 15 anos que as coisas podem melhorar, mesmo sem mudança no quadro institucional. As instituições não são tão determinantes quanto pensávamos. A governança no país melhorou muito e pouquíssimas regras foram mudadas, como o fim da candidatura nata”, afirma.
Hagopian diz que a lista fechada, proposta pelo PT e na qual os eleitores só votariam nos partidos, poderia ser “um pouco melhor” do que o modelo aberto atual, porque daria impulso à coerência partidária. Sobre a retirada do direito do eleitor de escolher seu candidato e dos riscos de se aumentar o caciquismo, a americana defende que o sistema de responsabilização é diferente.
“Na lista fechada, a responsabilidade é do partido e não do candidato individual. Mas você tem que entender que eu venho dos Estados Unidos, onde temos um voto distrital…”, afirma, como se justificando.
Sua palestra foi comentada por Fernando Henrique Cardoso, a quem Hagopian chamou de “meu herói intelectual”. A cientista política só veio a conhecer o ex-presidente em visita ao país no ano passado, depois de “lê-lo muito” nos anos 70 e 80. Hagopian não esqueceu o que o sociólogo escreveu. Mas parece ainda mais encantada pelo que ele fez em oito anos de governo. E também pelo que seu sucessor, o ex-presidente Lula, deu continuidade e aperfeiçoou. Diante do retrato tão otimista do Brasil, desenhado pela admiradora, Fernando Henrique fez as ressalvas de quem já lidou diretamente com o sistema e tem deveres em ser oposição.
FHC disse que não daria tanto peso aos partidos, “inclusive ao meu”, o PSDB, ao afirmar que em algumas áreas os parlamentares “votam sem saber” e que a aprovação do Plano Real só foi possível porque o Congresso estava fraco, abalado pela CPI dos anões do Orçamento. O ex-presidente também pôs dúvidas sobre o fim do clientelismo. “Há o risco de uma troca pelo corporativismo, o que tem o mesmo efeito”, criticou, numa repetição das críticas que dirige ao PT.
A confiança de Hagopian, no entanto, segue inabalável. “O futuro do Brasil é brilhante”, insiste.
Postado por Luis Favre
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Do Blog do Favre.

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